Desculpa-me por cometer o erro de ressurgir por entre a folhagem jazida na água, sem que o perfume de Outono fosse altivo, sublime e etéreo.
Aquele sentir impelido pelos enraizados sentidos num destino quase circular ao coração, advindo de um pulsar incerto, redundante, possesso de uma pele que nos fala de solidão.
Desculpo-me em devaneios a sós por julgar que me sei dar, ou pela circunstância de sempre me ter iludido e pensado que o fazia. A melhor hipótese seria cometer perjúrio e sem me importar demasiado pela indelével transformação frente ao espelho.
Consertado o desgosto, pouco antes do aperto no peito por te querer mais próxima de mim, dar-me à terra do nunca sem que a boca se cale pela distante fome dos teus olhos.
E digo sem que as vezes sejam repetidas, sem que os braços desmedidos e nem a dor uma droga necessária, gosta-se da dor mesmo que alheia à realidade. Fascinante mal estar, sorvendo amarguras ao sabor esperançoso de outros esquecimentos.
Para um provável equilíbrio de massas e fontes, descura-se a bondade combatendo a inércia da bonança. Um pouco menos humana, a paixão transcrita entre momentos de euforia e vazios deitados no mármore escuro, entre a ribalta e o declínio oblíquo ao céu estrelado.
É assim, qualquer coisa de bom. Proveniente de outros sabores que ousa a minha língua saber sem descurar ou perder-se em desmedidos adjectivos. Uma palavra que me soubesse mudar o sentido da frase, numa desajustada caução da alma às práticas mundanas. Perder-me-ia noutra voz sem que me viesse de dentro. Com outro fundo de voz, um sussurro em timbre de paladar raro, metálico e frio.
Deixa-me um bilhete à porta que nunca abri, daquela que nunca cheguei a sair. De lá para cá. De qualquer lado sem ser este algum, dizia-me...
"E no desgosto do gosto que longe se fez no alcance da força dos teus dedos, deixo um sonho que o pesadelo da tua ausência me trouxe quando a pronúncia altiva do dia disse à noite que se fosse.
À luz do dia esbranquicei-me numa anemia de emoções, e quase transparente aprendi que a dor é a soma de tudo quanto ofuscou e me ardeu nos olhos que à morte da tua presença no meu corpo se apagou.
Foram lágrimas, como sal que tempera o tempo dos anos que cada hora sem ti faz passar por mim. Destempera a fragilidade do vidro do copo de vinho meio cheio que cada vez me enche mais de vazios.
Apanha-me, finta-me, rouba-me do desespero da palavra que tarda em chegar à curva dos meus lábios, mas silencia. Não digas. Cala-te, guarda-me no segredo da ratoeira que hás-de inventar para me desprevenir desta dor que interiorizo. Faz-me caça do teu desprezo, não serei a pressa em pretérito imperfeito da presa vulnerável e assustada para te escapar... e deste novelo de novelas sem final feliz desenleio uma estória inacabada de paixão.”
Talvez no erro de me já saber nestas linhas, guardo o rascunho de alguém que chorou à beira rio. Palavras vãs de um teatro que crepita na solidão da esperançosa proeza da espera. Tornam-se minhas, por enquanto, e mais as outras tantas palavras e sentidos que nem sei escrever. E olhando para o que fica, nada fiz, nada sinto e pouco faço.
Esta cidade empurra-nos para o limite do horizonte, lança-nos borda fora. Sem um aceno, as ondas vão e voltam... vão e voltam... vão e voltam e pouco trazem para além do suave embate no molhe.
A música triste que se orgulha em tomar almas por este passeio, entre a surdez dos aflitos e apressados, escamoteando-se por entre o cinzento geral. Guardam-se tantas esperanças no lodo a um palmo de mim, de ti, de todos.
São trezentos e sessenta e cinco dias por extenso em que a consciência tanto se inibe de proliferar por todas as bocas da mortal paixão. E fechados estamos, guardados a nada, esquecidos que o céu está sempre sobre as nossas cabeças.
Desmultiplico-me por desculpas em revolver o lodo a um palmo do meu rosto, por entre as folhas jazidas, sem sentir que morro mas sem saber que vivo. Desmembrando os alicerces das camadas de tempo, a nostálgica volta da estação da prata ao final dos dias, da nudez forçada das árvores que me agarram a atenção. A tosse convulsa das chaminés enquadra-se com o frio instalado no rosto e mãos.
Dou-me ao soluço de um trago, este malévolo unguento de me saber agridoce. Enrolo um cigarro numa mortalha demasiado curta, sem cola. Fumo-me na incapacidade de me saber melhor que isto. Desculpa-me por nada, ou então, por tudo.