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domingo, 24 de junho de 2007

Peep Show

Gosto de quem gosta, como eu, do sal na pele seca. Sabe-me a pouco, tão pouco mesmo que me parece a insatisfação uma morte declamada a só.

Não gosto de partilhar estes gostos. Mais que devaneios, são fraquezas da carne. Já me basta mantê-las no anonimato de um desejo não reclamado. E aquela mulher destrói-me sem saber que o faz. Amar sereia de terra firme, para no fim naufragar como qualquer marinheiro sem fortuna.

Dói-me só de olhar, servir-me do indiscreto, tirando-a desta realidade, medindo todo o seu corpo no tamanho que tem o meu viril desejo.

A insistente luta por não perder a pose inabalável, o intocável no canto escuro da sala, espera por nada. De tanta aparência que me engane, mais barata me sinto quando a vejo aproximar-se. Esconde-se o evidente nervosismo, correndo da luz de tudo o que me faz mover, as maiores ganas de a rasgar toda.

Poderia chamar à razão a aparente pacatez da minha pessoa. Comedido, peço mais uma bebida para combater a sede da minha mudez progressiva. Encarquilham-me os minutos incessantes quando a perco de vista. Está ali, está algures por ali.

Gosto de quem gosta, como eu, do perfume depois do sexo. E sabe-me a pouco, tão pouco mesmo que o seu nome seja apenas a outra parte que lhe conheço.

Impessoais, os devaneios em comum por toda a sala. Exibes-te a nu, todo o teu molde de Deus perante os meus olhos. Adornas. Contornas. Tomas e destróis mais cantos meus. Já nem respirar me apetece, já nem ar me faz viver. Transpiro, embaciando o vidro de tanto me incomodares. Morro a cada vez que o tempo se esgota. Volto a gastar mais uns soldos. Preciso ver-te.

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Avenida de|vida

A avenida termina no abismo de um semáforo. Quando cai a noite, sozinho na extensa recta, o pavimento ainda quente, colando os meus pés ao chão.

Sem que tire às palavras razões certas para que me condenem, encolho os sentidos para dentro de um recipiente estanque. Não fui mais homem ontem que hoje, apenas não sou mais aquele vertiginoso velocista, habituado à vida no arame. Parei. Depressa acolhi o que estava sujeito a morrer, ali no abandono, ao sabor dos dias.

Segui em frente sem olhar para o sinal. O que me deste, iluminado e com aviso sonoro. Foram as tuas acções vãs. Foram as tuas palavras suspensas de inutilidade.

Insurrecto, como quem antevê o seu declínio, reinventei-me num amotinado e sentimental serão a sós. Não há sinais de luta, apenas sangue. Sangue do meu sangue, o próprio que me pertence e a nada se lhe dá. A voz criminosa eclipsada pela bebida, calou-se a arma do crime. Investiga-se ao detalhe, o meticuloso problema do coração. Como bate, como morre.

As ruas despiram-se para mim, para me verem passar. Nas mãos onde dançam carícias que ficaram por usar, créditos sem uso, parados. Lamentos enfim, na mesma recta interminável para o meu curto fôlego.

Nos bolsos já vazios de memórias, qualquer suspeita seria escusada. Não tenho como pagar a minha dívida ao mundo. Amortiza-se na constante luta, na saga tecida sem pintura heróica e épica. Nada de cores, nada de efusivos abraços. Trata-se de uma espécie de eufemismo, de linha traçada entre um ponto e outro, sem paragem obrigatória para anotações de lembranças.

Caminho em direcção ao sinal vermelho, sem ter decorado o impasse que se faz à espera de avançar. Orienta-se todo um Império para um ponto cardeal, para onde se deve venerar o nascer de luas confidentes.

A sombra que me circunda conforme passo pelos candeeiros luminescentes. Não me larga a negrura língua desta amante que corre por mim. Cria-se a noite para distender toda a pessoa contida na palavra. Encarcerando o meu nome entre os ossos, é esta marca que não fica para além da existência.

Retenho-me no cruzamento, sentindo os pés colados ao chão. Esperarei pela hora de ponta, pela condensação do amanhecer. Preenchendo os bolsos vazios com as mãos dançantes de carícias por explorar, não será a fome sentimental da sequiosa vontade da noite a principal causa desta insónia.

Agrada-me a nudez da vida, da parte que me sabe fazer sofrer...

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Descamisando

A minha leve camisa, incendiária de avareza no que esconde. Ai, corpo comum, delito tomado a preceito, sem respeito que valha a condição. Tomada a pouco saber, sem que me torne num oferecido qualquer.

Tapa a nudez do peito que arde, inflama por que me dispas. Despe-me, despe-me. Cada botão, dedo a dedo que cicatriza, ardor de que me esqueço. Entro. Desço. Morro.

Tomara a noite saber em viva voz que lhe é dada, toda a conquista em posse sucessiva, mascarada de laivados prazeres. A língua que se enrola ao falo destino, sedento sou, estou, de mim, de ti. Tira-me agora esta camisa.

Mais um pouco dessa droga. Estranha, entranha-se na garganta. Sede proporcionada, soluços de te formar na voz que me escorre nas entranhas. Treme, vibrante, a viçosa flor de carne. Seiva bruta, sal que amarga os doces lábios que te murmuram. Sabor a ti, segredos fechados, calados na quietude contrastante. Dá-me mais desse vicioso sentido nocturno.

Solidão cauterizada, silêncio interrompido quando me rasgas. Loucura entre as quatro paredes, tecidas nas promessas passadas. Presentes destinos, tragados momentos a sós. Bebida em chama azul, pronúncia marcante, quando dedilhas esse nome de pecado, quando me chamas assim.

A minha leve consciência de perigos maiores, já sem nudez que possa estranhar, nem feridas que infectem o prazer. Sigo a ténue luz do isqueiro. Circundar a chama, reacender-me sem tirar, sem ousar em ganhar fôlego. Não páro. Segue o rasto, despe-me de novo a camisa.

Dá-me a tua boca, dentes cerrados para a cura. Desejoso ardor, queimando até morrer. Rasga o que resta de mim. Desliza a tua aberrante mania de me marcar a sangue. Violenta, possessa dos meus botões. Rasga. Revolve. Resolve.

Deixa a janela aberta para que circulem as ideias. Não tenciono morrer mergulhado no próprio ar suicida que criei. Deixa-me sair, respirar, morrer. Acabar azul em preto fosco. Deixa o que me resta da camisa, sem fronteiras, nem faianças de palavras mal medidas. Dita o silêncio a melhor das conversas, enquanto secamos suores.

Espalhado pelo chão, o que sobra do meu pudor de esconder vergonhas. Exibidas a nu, despidas peles, jazidas de pensamentos. Excitado, quero em mais morrer, em destino a dar-me ao pleno prazer. Oferece-me uma nova camisa. Usando-a só para ti, caberá toda a minha pele nas tuas unhas.