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quarta-feira, 25 de abril de 2007

Seiscentos e Sessenta e Seis, Vezes Sete

Revolve em tempo que corre
Na pressa, a galope que morre
Nas mãos de quem ama e espera
Desesperas tu, que nada sorris


Não sabes tu que nome tens
Sem seres quem ousa gritar assim
Que no amor não está o fim
Sem cor, nem calor que me faça olhar


Parte em tempo que espera
Esfera isolada, contida em ti
Içada a bandeira, na corda que te amarra
Aperta segredos nos becos da noite


Escondidos degredos, que em teus dedos estão
Não são mais que enlevados murmúrios
Torturas pingadas de errantes amantes
A boca que sou, em fumo que inalo, és droga


Extremo da lança, no gume de querer
Seiscentos e sessenta e seis vezes
Motivações de mais querer-te, sabendo que já és
Todo o sangue que corre, em força, na artéria de nós


São pós, mantos que cobrem
Enlaçam velhas guardas, esperas nocturnas
São velharias, chapéus e baús que jazem
No velho íntimo de esperar, que venhas por fim


Sete resmas de papel
Escritas a tinta de pecados
Personificando em todas as linhas
Provocando em cada qual, a tua culpa de me seres


Já cansado, tomado e arremessado
Para o canto vil que tens no teu regaço
Embraço eu, disperso ao acaso
Perdido nas tuas contas, nas fábulas que me inventas


Penso eu que seja, em todo o momento
Um triste fim de enredo, trapo limpo em nódoa de mar
Encrespado romance, lençol gasto do Tanto
Tanto mesmo que me contas, que me fazes e tornas


Revolve mais uma vez, em verso que flúi
Entre seivas, salivas e poções
Gotas que me dás à boca, na língua que te espera
Circunda, continua, volta a mim

sexta-feira, 20 de abril de 2007

Talvez Volte

Não seria de esperar que me abraçasses. A minha ausência, sem comparação que haja, foi longa e desajustada, para ti apenas. Voltei. Já nada mais tinha a ver pelo outro lado. Tudo fiz e nada trouxe, felizmente assim foi.

Os pesadelos, certos ao longo da vida, exercem um peso determinante na mente. A influência que me ofereceste, a luz negra que me deste, ao invés das promessas que não são mais que isso.
Foi como peça chave num talismã. A chave de todo um complexo movimento mecânico de relojoaria. É o desacerto do coração, sentimento este que é profuso em soluços de mau estar.

Nada falha, a não ser o “eu sou” consciente. Nada mais erra senão “o meu nome é”.
Por mais estranheza que aparente o desconhecido, mais estranho é acordar por dentro deste ser misterioso e quase desconhecido. Adormeço e acordo no mesmo ser, no mesmo corpo partilhado.

Sem que duvide da minha clareza, ou questionando a própria lucidez, sei muito bem quem sou, tanto que julgo não conhecer o outro que “sou eu”.

Fui longe demais, talvez tenhas razão. Perdi-me porque me queria achar. Cavei buracos que desejava tapar. Voltarei para onde não desejo ir, e com isto, haverá um despego de onde não quero sair. Nega-se. Obriga-se. Verga-se ou morre-se.

Sejamos claros, não sei que nome tenho. O estranho das sombras que me habita, o outro que tanto reluz ao sol.

A titulo figurativo, a relação que se toma entre o vazio e o concreto, nada mais existe em que possa transcrever toda a minha noção de viver. Vivo enquanto espero. Vivo enquanto sei o que faço.

Dadas as circunstâncias, mais além, ficam todos os momentos que classifiquei de inconscientes. Não serei capaz de transcrever toda a noção que possa ter do real, pois é... algo. Assim como o amor, algo é.

Suspiro, sem ter a intransigente vontade de manipular a minha respiração. Sinto-me, para mais de tudo o que sinto. Sinto-me. A singularidade de tudo o que me possa arrancar, de toda a pele, a leveza que aspiro a atingir. Saber-me tomar, como medicamento, em doses saudáveis e regradas.
Serei eu coisas pequenas, tão diminutas e simples que são, tornando-me talvez em algo maior.

terça-feira, 10 de abril de 2007

Foste

Bate a hora, apressada, disfarçada em manto que esconde o tempo que não se quer esperar.

- Espera-me. Não corras. Ouve-me por um instante.

- Não posso. Não quero ouvir-te. Tenho pressa de chegar.

- Não vás! O caminho atraiçoa. Não vês? Ouve-me, não queiras seguir o mais óbvio.

- Mentes. Toda a tua linha de discurso é um rol de certezas que me incomodam. Não maltrates quem sou, com a tua inabalável e irritante má disposição.

- A minha razão, seja qual for, é diluída em qualquer teor de discurso. Volátil, és como álcool na minha ferida exposta ao sol. Só queria que te guiasses por mim uma única vez.

- Não! A minha pressa é forte e espessa. Tamanha vontade de fugir, de mim. Necessito de desaparecer.

Espesso, disseste. Clamaste em tom monocórdico, a decisão há muito pensada. Espesso, como sangue que arrefece, na chapa contorcida, espalhada pela estrada.
Forte, confinaste todos os teus sonhos ao que eram, apenas sonhos. Pendurados por um pequeno fio de seiva, no abismo que existia em ti.

Forte. Demais para sobreviver. O choque.

Despedaça-se ao critério do embate, o corpo que sai de outro. A alma que descola da pele.

Contornos, estes que adornam agora as minhas tábuas. São condados, na importância que lhes dei, os meus sonhos e aspirações. Os instantes em que pensei, seguir as tuas marcas no chão. Invejei-te todos os dias.

- Não me sigas, nem me aguardes. Vou. Apenas vou.

Toma-te essa sede de forma tão violenta. Nem recordas quem és, e que no fundo, tens tudo guardado, em caixa de fundo falso. Escondido, dissimulado nos medos, no próprio medo de me ouvires.

Jazido, no escuro impar do oceano. Tenho o meu nome pensado, guardado na mala.
Recordo-te enquanto sigo para bem longe.
Tão longe, para além de tudo, até de mim. Distante, contando cada linha do tracejado da estrada, até me reencontrar no ponto de partida.

De novo, sem que esperasse, hesitaste tanto na hora. Demorada, por todas as pequenas coisas que julgamos não terem importância. Partiste quando escolheste. Tanta fúria me ofereceste, ofendida por te querer cobrar um minuto de atenção.

- Então vai. Força! Vai!

- E vou mesmo!


E foste. Para sempre.

quinta-feira, 5 de abril de 2007

Folha, seiva e vida

Estou molhado. Encharcado de tanto molhar as folhas. Os seus cantos, de encantos espantos. Tamanhos feitos, ali clamados em versos, até bem maiores que os próprios autores descritos. As folhas, essas celulósicas amantes, minhas, de todos os mais que as amam, amaram como eu.

Entendo, sim pois, claro é, como a maior das clarividentes verdades, tais como o céu que tudo sustenta. Oh, o ritmo que se instala, e mais, enquanto escrevo, o meu corpo contorce ao ritmo da música.

É verdade, sinto-me encharcado. Até a estes ossos que me suportam. É chuva, impiedosa, que nos deixa em visão de cortina opaca.

Sabe a melodia ser mais generosa, em mãos incertas, em gesto firme e conciso. Tanta linha que termina na mesma margem imaginária da folha, como areal descrito num conto. Contido na imaginação, perene de quem sente a dureza da batuta, do ser pensante que quer ser primário. Irrequieta alma que me amaldiçoa. Sondando lugares mais escuros que a própria sombra, sonhando, morrendo na quietude da fechada lombada, endurecida no tempo.

Fez-se o artífice em mil lágrimas, em devoção pela sua causa, dedicado em horas, à luz do que as suas mãos criaram. Escreveu o poeta, à mesma luz, na constante censura que o calou. Tanta vez pensei em lamber a tinta azul, castrante, da força que me cala. Servir-me do sangue, para escrever amores que nunca vislumbrei, por tudo o que sou.

Estampo-me como selo de carta, marca de água em papel oficioso. Cheira-me a estranha lavanda, arrumada em saquetas, mesmo por baixo dos manuscritos esquecidos na gaveta dos sonhos pensados. Não foi mais longe que a vontade do papel. Este papel… este papel que tanto amo. Respira-me. Lê-me em toda a sua atenção de secar cada letra. Consinto um eterno amor, bem mais que etéreo sentimentalismo à flor madura da pele. Deitado, desnudado, convencido que não haverá lugar melhor que este. Continuarei a existir, até que acabe a folha.

Estou molhado. Sem saudade da secura a que a espera me submeteu. Abri-me em fissuras, gretas que nem sabia como sarar. Estéreis melodias que tanto trauteei sem sentido. A fome contrastante com o campo. O campo com os meus olhos. Os olhos com o que não vejo. Escondo o receio da chuva, em palavras ao acaso, pouco pensadas. Move-se um pouco mais para a esquerda, esse lado bom de sentir. Agradado, o sol despontado na beleza oferecida por melhores mãos. Finos dedos, calcando a lisa pele, manchada por gotículas perfumadas. Regozijo em harmonia com o reflexo, na fonte, nessa que me cria.

Acabando, sem pressa de correr para o fim, apago a vela que me deu forma. Adormeço no leito de mais ser.

segunda-feira, 2 de abril de 2007

Mais!

O passo que se dá, atrás da porta, sem que veja os teus pés molhados, deliciosos. Saltitas de azulejo em azulejo, pé ante pé. Apenas deixas pegadas nos brancos, os negros provocam-te um arrepio na nuca.

Após o duche, a pele molhada clama por um corpo seco e quente. A minha deixa será apertar-te, esperando-te no local do costume, mesmo atrás da porta. Assim que atravessas a fronteira, as mãos secas cercam os teus ombros nus. Despida humidade do matinal desejo em te ter.

Arde-me o desejo, a saliva que me invade a boca, por te beijar, mas em seco engulo, na exacta altura em que te beijo.

Mais!


Aperto-te, de contra a parede. Comprimo. Provo o teu cabelo molhado. Mordo. Solta-se um pequeno bramido, latida contida nos laivos de desespero. É desejo. É paixão.

Travos amargos, unhas que marcam, pele contida na outra. Calor que inibe calor. Provoca-se suor. O movimento, periclitante, em que te seguras à ombreia da porta. Dilui-se o movimento, pausado, desvanecendo, extasiando, até ao fim.

Atrás da porta, sempre a mesma em que espero por ti. Impaciente, consciente, feliz por saber que te espero.