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quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Sou

Gostaria neste momento de largar toda a pele que se me ajusta ao verdadeiro sentido. Gostaria imenso de o conseguir. Aqui estou, aqui sou.

Na terra que me pariu, ao coração embalado na planície, são os meus olhos o amor da terra, entre influência moçárabe e resquícios celtas. São vozes, castas raízes de únicos valores. Orgulho-me de o ser, de me sentir assim.

Marco, eu sou.

Gostaria mais dizer, sem apresentar o tanto que me falta para alcançar o sorriso. As pessoas são tolas, e tolo que sou em acreditar nelas.

Por vezes, enquanto fumo de uma forma apaixonada e solitária, eu e o meu cigarro somos um mútuo vício. Nada mais me poderia faltar naqueles cinco minutos. Por vezes sim, até penso.

Seria injusto desassociar toda a minha pessoa de quem realmente sou. Eu, o verbo. Fumo porque gosto, bebo por gostar ainda mais. Inalo, consumo tráficos mercantis. Mato, morro, assassino devoluto. Escorro, queimo, amo a pele que roça na minha. Influencio a espera, deturpo palavras, intensifico ódios. Esqueço-me e volto a respirar.

Recomeço sempre que acabo, de preferência mal, ao contrário da forma como realmente deveria ser, assumo-me frente a frente. Vicio-me nos habituais planos, sem que me pareça demasiado estranho esta relação de amor e ódio entre a minha pessoa.

A vaidade é estranha, mas entre paredes, bem espessas, nada me resulta de estranho. Agrada-me. Quero as minhas vontades feitas, prontamente consumadas. Luto contra a minha paciência e tolerância. Desejo-me pior, mais azedo e egoísta. Quero a meus pés todos os beijos prometidos. Desde os meus perfumes às minhas taras, dos traumas aos delitos do prazer, quero-me mais, muito mais. Mesmo nesta arrogância que me enjoa, a antítese de um tempo adverso de outro. Desejo sentir-me sempre assim, vivo.

Necessito de mais um chuto, do cavalo que me sangre até ao tutano. Para isso vive-se entre um dia e outro. Necessito de necessitar, sempre na ânsia de chegar a casa. Por fim, sentir-me na impossibilidade de abandonar esta cabeça e descansar.

Sou eu pessoa de Janeiro, no silêncio matinal do gelo ao acordar. Com os pés sempre fora da cama, livres, terrenos. Solto o cabelo e guardo memórias que desejo não partilhar. Nunca. O egoísmo exagerado porque nunca explicarei a razão de adorar o som riscado de um disco de vinil. Nunca ninguém saberá ao que me sabe o os estofos dos bancos de napa de um citroen. Amargo apenas, é bom.

Convenço-me da autenticidade para que não morra no desgosto de imaginar alguém igual a mim.

Não quero!

Gosto de me arrastar pelos meandros e clareiras deste mundo sem fundo. Entre a Luz e Trevas, agrada-me a constante luta pelo equilíbrio... e deixar-me levar. Serei sempre o único e fiel devoto, missionário de mim mesmo, morrendo a cada investida do que ainda preservo selvagem. Fiel mas excomungado, pelo menos duas vezes por dia, por tanto estar em falta, para comigo e os outros.

O tempo clama por mais calma e temperamento, sem que seja a brandura a melhor das qualidades. Carrego marcas, cicatrizes de juventude, as melhores que possuo. Transporto memórias e colo momentos ao presente. Era ruim, agora sou pior. Reconheço o meu rosto longínquo, revejo-me no sorriso de Inverno.

Acalenta o sonho, a obra que se cria aos poucos no tom pálido da próxima estação, o perfume impregnado na minha língua. Amargo, forte, mortal. Condena-se à partida, a estreita passagem do meu mundo para o externo. É difícil, sou-o também.

Gostaria de ser Outono metade do tempo, preservar-me da mesma forma, com igual beleza. Gostaria imenso de continuar a sentir-me assim, como o Outono para a vida. Outra metade seria Inverno, porque é a privação, a intempérie, a luta, as longas noites. Gostaria, gostaria mesmo de sorrir da mesma forma que numa manhã de pleno Janeiro.

Marco continuarei a ser, estrada fora… irei gostar sim.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Cinema

O Poder ganhou desculpas, esquecimentos, amarrotou-se na alma. Corrompido, comi e servi-me, olhando para a mentira insurrecta. Descolei as folhas, os sentidos, sentindo no outro sentido, mentindo fiz-me na cama, redonda, infinita. Comi, furando o que não queria, fazendo, operando maquinar, provectas mãos, macias, obsoletas para gritar. Resolvi prender, prendendo, prendendo-me, aprendendo a apreciar, em parcial, mantendo-me em gerúndio, sem fim possível. Desci, escorregando no limbo, sendo criança, infantil, pueril, aprazível, jovem de rosto pálido.

A Fraqueza teceu, remoendo conjuras, conluios, afluentes e influências. Morreu, ruindo em ruído, quebrou o enguiço, expectante criativo, olhou dizendo, foder com os dedos na boca, mordi. Freando a avalanche, brilhavam os olhos, cegando, querer-se mais além de dizer. Fez-se progressivo, evasivo, de estilo massivo, sem mundo, mais fundo. Junto, tocando, extraindo, extasiado objectivo, objecto adjectivado pela objectiva, tudo é adjecto de um dejecto pensamento. Por perto, tão singular, melhora-se a bondade, sem saudade, oferecida, criada, mantida sorridente. Satisfaz-se o Monstro, comendo mais, por trás, amarrotando toda a alma, sem calma, suando a noite. Arrefece, congela, perfurando, mais fundo, penetrando, para dentro, mais fundo, para dentro, mais fundo. Suporta, calada, gemendo, chora, querendo-te. Adoecido, apagando da memória vicissitudes, tremores, temores, rancores. Sabores insanos da mente, minto, montando, mantendo, sabendo a menta, dizendo que a mente mente, tão capaz, mentalizado mostro, mais isto, aquilo, e mais não sei.

O Outro Lado rasgou, calou-se e mordeu, esbanjou nexo, com sexo, ao inverso que queria, de dia, mantido em recato, pacato e tranquilo. Fez-se de mar, sem esperar a areia, de finas faianças, na dança, rebola a lágrima, roliça, vivaça e faustosa. De voz aguçada, esperada, velada, castiças maçãs, do rosto de Agosto passado, ao tempo, sem vento, nem lenço na despedida. Foi despido, marcado, usado, gostando, gastando a pele na pele, pela qual se paga o abuso, confuso, do meu, de outrem, deste prazer. Disse, murmurando, sussurrando bem quente, que me queria, que me cria bem dentro de si. De novo, como o dia.

domingo, 14 de outubro de 2007

Absentia

Faz-se depressa. Bem preciso, assim como o dia, sem curas prometidas. Em suma, foi considerada a hipótese de que a perfeição é possível. Aprumadinho e cheiroso, com ar de quem tem um destino a entregar a mãos que lhe são alheias.

Leva a carta no alforge, onde alberga tanta história, mais que as contadas por travessas e postigos mal fechados. São olhos que escutam, palavras gritam nos gestos. Por todas as cidades que o esperam, as mesmas conhecidas de outras paragens. Pensou a saudade pertencer apenas a quem se lamenta em melodias. A todos os caminhos, apressa-se a levar complacência sem despedidas que o agarrem.

A notícia tardava. Naquele nervosismo delicado, deixava embeber-se por entre venenos e paredes que a cegam de horizontes. Os remédios, inócuos, transfiguram-lhe toda a sua candura tecida a ouro.

Nem que a brisa se faça sentir, o odor conhecido da outra pele continua tão longe. Espera pelo momento em que se torne rubra em suores de alegria do regresso, calando todos os momentos de solidão. Aquele toque…

Nada. Morria-lhe aos poucos uma ruga de espera, na sua fina loiça. O seu rosto tremia.

As suas mãos rudes como a terra lavrada, eram rédeas que cresciam, traçando rotas desconhecidas aos mapas. Estratégicas alianças, aos destinos que não lhe pertencem. Deve em maior fortuna o do nome que carrega, a graça da sua corrida.

Leva-te. Eleva-te mais para além do sol. Nunca saibas de que se serve o pesado sentido da saudade.

Doces lábios roçando no cristal. A sua boca coberta de vinho que lhe sangra da alma. Em espera interminável, sem encerrar o pulsar desmedido do coração entre os seus dedos. Encarcera o seu tumultuo por entre os ossos. A sua lividez, naqueles olhos de espanto, da cor com que se vê no mundo, a mesma sentida no seu coração.

Longa como uma serpente, o seu medo de enfrentar mais uma noite, a sós, sem as mãos que lhe dão vida. Tanta estranheza paira para lá das cortinas. O magnifico, escondido algures para lá da mesma porta que deseja ver abrir-se.

Alinhavada, mesmo com as certezas que a noite viria louca e fria. O homem não regressa, como tantos outros sem retorno. Louca, despida, de tão fria lhe dizia a morte das suas certezas. Entre as suas linhas e o fio da lamparina, espera no pranto de esquecida. Olhando para lá da vidraça, para além do escuro e turvo calar encostado à sua vivência.

Concentra-se de novo no fuzil ao seu peito, nas sombras trémulas das suas dúvidas. Incertezas essas que a calam, envolvendo-a devagar no sonho. Suspira em segredo, como um peso libertando-se da alma.

Belezas caladas, descalças na terra batida, pisada e vazia. Acorrem-lhe momentâneos espaços verdes entre os pensamentos. O vento frio corta-o em lascas, lâminas do sopro gélido. Calcam as costelas no estômago vazio. Alimenta-se da própria alma, sem o arnês das incertas questões julgadas, finadas, finitas, tomadas.

Como poderá medir-se a velocidade da dor, sem que haja comprimento suficiente para se escrever o Amor. Como haverá maior destreza, se nada existe nos constantes vazios da ausência. Como se fará, num solfejo, enganar-se as horas na esperança carregada a mil artifícios.

As margens separam-na da resposta. Falha. Apaga-se.

A espera termina no mesmo ermo do último adeus, o primeiro de todo o sempre. No fim da terra, na madrugada já desperta, sozinha e confinada ao amanhecer. O mensageiro segue pelo rude caminho de escarpas e armadilhas. Os seus destinos esperam-no. Faz-se depressa. Bem preciso, assim como o nascer do dia, sem curas prometidas.
Não existe cura para o Adeus...

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Contido na Noite

Passei por nova madrugada a sós. Habitua-se a mente à solidão do pensamento, sem consolidar ideias seja com quem for. A sina da demente progressão das horas, o incómodo de apenas a respiração ecoar nesta massa.

Desconfiava tanto de mim que cheguei a minar o caminho da mente. Dei por mim esvaindo-me por entre os destroços, uma e outra vez. Seria necessário chegar ao ponto de considerar parte de mim como uma máquina a vapor, lenta e desmesurada. Conseguiria em cem anos, talvez percorrer uns três quilómetros de luz, e nem assim sentir-me a salvo das próprias mãos.

Nasci entre mãos divinas de Amor, e serei eu melhor homem por isso? Por qualquer zona do corpo que meça, nenhuma é superior à pele que me está colada. Conseguiria compreender melhor o destino, se as consequências dos atentados à mente não me fizessem pensar.

Gosto de mexer o café com o dedo, no sentido inverso aos ponteiros do relógio. Acaba tudo afinal, no mesmo momento do sinal horário, neste tempo que alguém se lembrou de tentar prender. Classifica-se assim, este momento como 3h45m, ou melhor, quatro menos quinze.

Acumulo sono, cansaço, sonhos de olhos abertos que sei nunca sonhar. Acumulo ideias, nomes e choros, lágrimas que oiço passar pela rua. Acumulo mais um pouco de nada, de mim a qualquer esquina mal iluminada. Impeço-me de fraquejar perante um pequeno mundo que vive dentro de uma pequena televisão. Na casa de uns idosos, de olhos gastos para o mundo, fintando os meus através do ecrã.

Vive-se no sabor efémero de um floco de neve, de papel celofane bem vermelho, de sangue. Cospe-se em negação maior por se sentir a brevidade das palavras em cada sílaba. São linhas entre férreos desejos, cruzando toda a paisagem a caminho de casa. Pequenos saberes partilhados em sorrisos entre estranhos. Serei comum a todos os sujeitos com predicado.

Estranha e falsa modéstia, a que me dá em poucos momentos. Sem que atropele demasiado a outra parte que dorme, a minha cabeça manda-me parar. Cada adormecer é uma morte anunciada, uma lanceta seccionando até à medula, a resistência da insónia. Redobrem os sinos, quando já exausto disser para mim mesmo - Não posso mais...