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terça-feira, 29 de maio de 2007

Separam-se os Amantes

Renasço perante a incerteza de te olhar. Apaga. Fala mais fundo, bem mais que a minha garganta. Caminha. Estas suturas que me deixaste, a boca que não te fala. Fogo que me ama, foste lancinante na luxúria libertina de me congelar. Possessa alma, tez de oriente, sem mácula de sangue, nem sinais de máscara. Liberta. Liberta-me.

Caminho de bons modos, que nas certezas vivo, acompanhando o rasto perdido. Pó. Tinge-me de guerra, dilacera-me no respirar. Pesa-me. Sustém-se a rouca voz, alcança rochedos, murais invadidos pela tua tinta. Sê quente, pedra, amor que me pesas. Ombros meus, desejo profundo, voar seria ascender até ao Inferno. Gera, cria-me os sentidos que deixei.

Nas sombras, negras fadas que amei, senti como tu, meu pesadelo. Relembra-me aquelas histórias que acalentam o destinado final empírico. Principia-me de novo, velha arte a pulso, a nascente da fonte que criámos.

A ferros, em brasa, queimando o brilho dos campos que possuo. Sou luz, agora. Serei sombra, adiante. Faz-te mulher, procria-me. Destina-me, meu bem, primaveril romaria. Sou criatura, massa piroclástica, bem lá do fundo que não acaba. Lamenta o meu retorno, a minha volta na cama. Ofereço-ta a outra face, inacabada, devastada pelo teu beijar. Espalha-me ao mundo, pelo teu corpo de encantos. Serei praga sem lamento, infectando o coração, este que tanto roubaste.

Espelhos, gritem o meu nome. Gritem a fastidiosa ordem. Império mais longínquo que a agonia possa suportar. Vozes, clamem-me em odes perversos. Ordem, que todo o teu medo me silencie. Alcançados estamos, separam-se os amantes.

segunda-feira, 21 de maio de 2007

T r a n s|m|u|t|a|t|i|o|n|e|

Poderia ter um inicio especial, nem sei bem, porque haveria de me preocupar com isso? Conseguiria rumar sem saber, como detentor de uma certeza, a caminho de uma tomada consciente, até à meta. Que destino? Para que fim? Incomoda-me a verdadeira meta, acaba sempre num final.

De cada vez que pratico a pausa, mais certeza tenho no que me é incerto. E tanto me seco de ideias, como se me abate em dilúvio não anunciado, palavras que não chego a escrever. Sedimento com o passar do tempo, sem que me transforme em rocha dura, nem fóssil para futura memória. Não sei nada mais que este pouco escrever. Muito menos será este, um gesto humilde e sincero, porque isso cultiva-se nos homens verdadeiros, ou pelo menos, os que tanto almejam sê-lo.

Rendo-me antes a este vício de me explorar, violentar as horas de sono, esquartejar a madrugada no meu silêncio, no meu momento de paz. O sonho que espera, ansioso pelo adormecer do meu corpo. Exploro, quero mais espertina, cafeína, nicotina. Heroína apenas, meu desejo de carne e osso, aquela mulher que paira no ar, eterna... etérea.

A pele nua, colada à pele de outro que não me lembrava já ser. Outro tanto que não sabe que parte sou eu. Sem que me confunda demasiado, neste gesto do saber quantos mais sou, por fim sendo o mesmo, e mais uma vez, no final de mim. Seria amnésico, sem relatório de danos, seja pancada maior que a minha pessoa, salutando por mais brindes de alcalóides.

Em tempos acreditei que a euforia fosse o elo maior de toda a criação... assim Deus, ficara louco varrido após finalizar a sua. Sem que me compare, apenas o espírito não era tão pesado na altura. Já o cansaço tem nome com significado, pesa-me nas pernas. Preocupo-me com a intensidade da dor, num desacerto do coração. Talvez me bata à porta, uma inconsolável perda, que em dor maior me torne, num fracasso que nunca quis ponderar haver em mim. A hipocondríaca mediatização, da decadente rotina do meu mundo, sem que dúvidas hajam que um dia me vou arrastar, de uma divisão para outra.

A manhã que já desperta e me apanha desprevenido, de olhos perdidos para o fundo azul do tecto celestial. Acompanho-me num cigarro, pesando-me a vista e os ombros. Cansado estou eu, sem que tenha um café para despertar. Sem que me incite a qualquer gesto brusco, saio da luz e retiro-me para um canto escuro. Vem aí um dia quente, muito quente. Durmo agora, de seguida, depois de ter estrangulado a noite.

sábado, 12 de maio de 2007

Sabor Que Sei

Sabor a suor, o corpo de gelo que derrete lentamente, fluindo no doce néctar do dia. Sabor a tarde, o copo servido ao fim da pausa. Saber a mais, de trago em trago, acompanhado a ritmo lento, esquecido.

Sou daquela linhagem específica, não ordenada, enxuta nos pequenos sopros de vida. Imposta a colmatar a necessidade que se arrasta na mesma vontade de querer, de tanto beber-te, mais desejo de sede tenho. Sou assim, com toda a normalidade, estendida até a luz desaparecer.

Ergue-se o copo, a avidez de perseguir a sede. Vazio, olho-te por entre as tuas linhas deformadas pelo vidro, fluidas na secura agora instalada. Vem, sussurra-me no teu gosto de me agradar. De mãos dadas, esperamos a noite calma, o seu cheiro e frescura. Aproxima-te, quero beber-te o vinho que me ofereces no teu corpo. Dá-me mais, frutado, na casta do teu perfume.

A correlação de sorrisos partilhados, em variáveis transmutadas, definidas aos meus olhos, sobejo prazer em te beijar. Sob todo o teu brilhante olhar, génio que me acende em mil e uma lucernas dos mais recônditos desejos que vivem em mim.

Sabor. Sabor, saber mais sabores do que és. Enche de novo o serão que nos guarda, sem desperdiçar quem me fazes ser. Toca-me, destila a minha constante amargura, como lúpulo da minha saliva. Decanta o meu jeito em quebrar o gozo do dia, sem que me alteres na composição. Artífice de ouro, pés descalços no meu peito, prova-me no beijo e no aperto do gesto.

Ao fim de todo um dia, completa-se a memória que virá na tua ausência. O que me espera será apenas uma pequena pausa. Parte do meu desejo esperará atrás da porta, para que voltes a entrar. Quero a saudade presente, sem que todo eu te espere realmente. Outro lado que sou, aguarda o sabor de me oferecer. Aguardo, aguardo... porque quero.

quarta-feira, 9 de maio de 2007

Gestos comuns de um homem, incomuns de quem o vê

Faço votos no silêncio, traços mansos de comportamento
Mancos estão os sentidos, por estes gravetos que vislumbro
A luz mal enjeitada, as tuas roupas engelhadas
Não quero morrer de pé, em consciência ou lucidez que me pegue
Embriago-me no teu corpo, sem seres rosto ou nome que me valha

Nesses bordéis, sondados em preciosas horas
Esperas de balcão sustentadas a algumas bebidas
Estratégicos, olhos que miram propostas de embarque
Viagens de ida, sem volta imaculada, entre cigarros mal fumados
E seios, desnudos, embebidos no enjoo perfumado

Rameira personificada, uma santa de carne
Esquecido de outros desvairos menores
Da colcha quente, às tuas humedecidas coxas, não se comenta o desmazelo
Descaindo na latente formosura, mais bela és calada
No corpo pago que tens, a soldo pela nudez da crueza

Cadencia o meu acto, decadentes palavras que não mais te digo
Noutra altura que seja, jamais adormecendo entre parasitas
Social, sou eu, sem cavalheirismo no trato
Mal os brutos gestos sossegam, a languidez em ti contida
Falsas modéstias, trancadas, para lá daquela porta

No fim do corpo que te pertence, no estreito que já cruzei
Pago-te a dinheiros, justos ganhos, cordiais cumprimentos
A menina sai, antes do incandescente golpe numa droga legal
Olho aquelas pernas, sufocam qualquer decência
Menos mal, o meu aço funde, o nervo impele a desejar-te mais

Escrevo palavras na colcha verde manchada, palavras comuns a ti
Dos laivos acusadores, ao teu sabor nos meus dedos
Androginia sentimental, quero-me na rua escura
Por onde caminham vergonhas, cabisbaixos homens
Transeuntes que se acompanham, maraus tertluliantes

A vaidade acende o meu isqueiro prata, nas cigarrilhas importadas
Do outro Atlântico que não este, o descoberto e agora negreiro
Acompanham-me vícios, lacunas e avarias
Nem completo sou em toda a minha falta
A lívida surdez que me apanha, até à cegueira de não sair deste antro

sexta-feira, 4 de maio de 2007

Eu, Tu

Tu e eu, conjunto infinito de uma rara coincidência. Largos caminhos, que por vezes, demasiadas até, se estreitam e aniquilam tudo o que se poderia descrever. Tu, não mais és quem sou, visionário, reflexo de espelho. Sou eu, toda a mão que bate no peito, sorrindo ao vento que me torna invisível.

Não mais esmoreço, nem adorno com a chuva até aos ossos. Mesmo adormecido nos braços de quem cria a o mundo, a sentinela seria a mesma de quando me deito. Todo este ciclo interior me cansa, aos poucos, como quem lança semente no vazio. Criados em tantos sonhos, aqueles maquinismos complexos, completos, fazem-me sonhar com o mais improvável dos fins. Ser-te tão longínquo como sou de mim.

Reverso que és, medalha pela lacuna de não mais saber o teu nome. Dou por mim na confusão dos meus pecados, sem a sombra que me falta. O peito que me falha em ar, por estar demasiado apartado da linha do infinito.

Tecerei em mais linhas de escrita, umas quantas palavras que pouco te sei falar. Dizer-te em palavras, das mesmas que sempre uso, que és meu, sendo eu a tua perpétua imagem. Descola-me de ti, descrença maldita. Exauridos momentos em que tanto me calo. Tanto mesmo, tanto...

No toque da pele, no espelho de Narciso seria o próprio beijo que te desse. Ofereço-me antes, ao destino que me conservo. É consumo a que me acostumei, extinguir-te nas últimas palavras, assim como agora.

Velho culto, danças de cavernas. Escondo o pequeno cintilar da vida em chama. Pavio a que me dou, serias tu a clemência viva em toda a cor. Dar-te significado, oferecendo-me em corpo, para que renasças de cada vez que morres.

Quantas vezes chorei no teu leito, quantas mais te lancei aos céus. As mãos guiam-me pelas linhas que escrevo, as mesmas que comandam a corrente. Prende-me mais, aprisionar-me sem olhar para quem sou.

Não estaria tão longe do final, caso a tua liberdade condicionasse a minha soltura. Vivo, revejo-me na palavra que me foi ensinada, sem que me aprimore na certeza de adjectivos. Preso estou a sentir o fundo de nós, até que a morte me separe enfim, de mim.
A todos, muito obrigado pelo melhor prémio que me são.