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terça-feira, 28 de junho de 2011

vera|ne|cidades

Poderia nada dizer, ficar-me por aqui. Olhar-te, em certa medida, é manter a distância do claro e do escuro. É resguardar-me de um quente que se preza frio. É dedicar-te uma pequena história de amor, contida em todo um breve suspirar.

É Verão, e contudo, no coração inabitado da voz, nenhum pássaro chegou. Além do sol, a pele ressequida não esquece uma ausência carente de memória. Soa a falso, mas nada existe para lá das paredes. Quando não se quer, nada acontece.

O quente sabor do sal, no corpo composto de um ontem repetido em todas a hora de hoje. É um grão de areia colado. Outro ao lado. E outro. É Verão, e mesmo sem grande imaginação para histórias de amor, poderia ficar-me apenas por te olhar. Seria perfeito.

Por nada saber, conto-me na contenção de contrariar esta contracção. Subtraindo qualquer substrato, sem o tacto volúvel de outras mãos, substantivo-me à evidência de serpentear entre os melhores dos pastos. Enfim, como não finda a gana, talvez me mate na prosa.

Ao assobio, deseja-se o timbre de um rouxinol, em todos os fins de tarde. Enquanto se esfolam os chinelos na terra batida, e mais batidas são, estas pequenas pausas para que te respire melhor. Que de preâmbulos te minava esse doce ventre, ainda antes de existir alguma intenção mais vil em mim.

É Verão, e entre o mar e o campo, resigno-me aos cremes e protectores, porque já me dou a mortalidades do corpo. As da alma, essas, ser-me-ão gratificantemente eternas. Entre o crespo cabelo e a suavidade de um vinho branco, existe espaço para tudo. É simples, quando se quer, tudo acontece.

Entre um beijo espraiado e um aperto entre o cheiro das estevas, aquece-nos o alcatrão os pés, e outro beijo roubado com sabor a sumo. Sem ligar ao calor tão daqui, roubo-te à noite que me fez desperto.

Não vá o sol raiar, nem debitar à parva um dia que não me faça presente, porque apenas ficar-te a olhar seria perfeito. É Verão, e em mim, cada palavra sua, nas tuas.

terça-feira, 21 de junho de 2011

uma|vez






Uma vez disseram-me que às Trevas, nem o gosto pelo sol tem outro propósito senão queimar-nos a retina. O sonho porém, não é mais que uma constatação ambígua do medo de se olhar bem acima dos nossos ombros. Hoje, no escuro, fora dos males quase inabitados, existe "uma vez" apenas, em que tanto mais me refiz de silêncios que guardo em mim. Serei sempre um egoísta, para o tanto que colho abaixo da linha dos meus olhos.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

de|um|nada


Foda-se para ti, que desarranjas esta mania de me mostrar imperturbável. Foda-se, foda-se, foda-se. Os teus dedos não me tocam e, ainda assim, é como me desfizesses. Foda-se, que não me guardo em saudades, nem guardo rancor ao que levaste de mim, para bem longe, a maldade de me destroçar contra o rochedo a que dei o teu nome. Oh, foda-se... assim não vale.

Como é esquecer-te, se pensar-te é o melhor do dia. Como é fazer-te, se não te ter será, certamente, a difícil conquista da terra ao mar. Foda-se, que numa palavra julgada crua e rude, consegue habitar a beleza do sentimento. Vê-se onde não está, sente-se onde não fica. Foda-se, para ti.


quarta-feira, 1 de junho de 2011

de|um|todo

Mostra-me o mundo fora do meu, que dos meus olhos sei eu. Uns dias mais, outros nem por isso. Mostra-me antes onde compras tabaco, a rua que mais gostas e não a que mais mostras. Diz-me a que te soa a palavra gostar, e depois, mostra-me como gostar não é apenas mais um gesto caído na graça dos dias. Mostra-me onde foi que caíste de bicicleta e choraste. Dá-me a conhecer as cicatrizes, o odor da fruteira da tua cozinha, onde tens os sapatos poeirentos que já não ousas usar, mas ainda lá estão, como tantas coisas que guardas dentro do peito. Mostra-me o que não dizes gostar, porque eu gosto assim. É um verbo pleno, elegante, sabe bem. Mais que dizer, é sentir, formando-o, dizendo-o em cada início, para no fim, repetir. Eu gosto.

Mostra-me os recantos imperfeitos, os terrenos onde perdeste, algo mais agreste, o estéril que te habita. As imperfeições que te ficaram, memórias distorcidas pelo próprio tempo, gastas, carcomidas de tão pensadas que foram. Mostra-me sim, onde compravas as porcarias com que te enchias, as outras com que agora te empanturras. Dá-me outro cigarro dos teus ou deixa-me a ponta com a tua saliva. Diz-me como saber do teu sorriso, ouvir-te rir entre uma piada foleira e uma partilha de gelados. Mostra-me a infindável saudade dos tempos da Primária, quando dobravas aquela esquina ali, a caminho de casa. Mostra-me como a vida se faz de nadas, e nada mais que o presente, é um mostrar por completo. Num todo que somos, um tanto nada de mim vive em ti.

Mostra-me como coças a cabeça, os gestos tão teus, o teu virar de página, o teu pegar no copo. Demonstra-me como defendes as tuas ideias, a garra com que te entregas, à causa, à pausa, ao abandono nestes braços que te moldam em cada regresso. Explica-me como consegues remover verniz das unhas com tanta eficácia, como tratas de arranjar um lugar descabido para esconder um coração perdido dentro de outro. Fala-me de pechinchas, de linhas mais em conta, de pacotes promocionais com sabores sintetizados. Explica-me a análise da coisa, como conversa sem aparências ou ilusões, de doidos, sem paradeiro da conclusão.

Guarda-me em segredo e sussurra-me ao ouvido quando ninguém estiver à nossa volta. Diz-me quantos dias guardas em sonhos, as horas que já perdeste quando não o fazes. Sabe-me o teu suspiro a um romântico bater de asas. O olhar vagamente acima da linha dos meus olhos, assim como quem está desinteressada, e pergunta-me se me importo de enumerar todos os teus defeitos. Faz-me mal, deixa-me a meio de um beijo. Vicia-me na tua queixa pelos meus hábitos, quando a tua vontade é de te perderes por eles, em mim. Mostra-me só mais um pouco, para que acredite.