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sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Chave

A chave…
Porta que abre e me deixa passar
Deixa, mexe, desencarcera
Tranca, gazua que embuste corroeu
Doeu, mordeu, gastou-se

É bisagra…
Charneira de vaidade
Dança na linha da luz que invade
Cega-me nos olhos, na mente
Permite-me entrar

Fala a falha…
Gota a gota na fresta
Na testa de quem pensa
Quem te faz aberta
No que te torna absoluta

Encosta a porta…
Ela dizia-se pintada de fresco
Fazia-se forte, completa, agreste
Ela, a que me impede
De a fechar em mim

No trinco…
Sarcófago, sacrifício de respirar o pó
Mentindo, falava-me mansa
Na esperança de me enterrar
Entre os ossos da paixão

O batente ausente…
Será a disputa de nós o caminho
Clamo pela luta dos corpos sequiosos
Aparas, lascas desprendidas do teu cabelo
Soltas por mim, ruindades gostosas

Diz-me à janela…
Que o meu nome é queimado a quente
Perfilado, laminado substrato
Endurece-me a vontade, lateja em humidade
Conferir formas ao desejo

Chama-me à ombreira…
Conclui o resinoso prazer que me ocupe
Verte-te em cola, composta em mim
Querer-te ao fundo da sala
Dizer-te parte que me és

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Mariposas

Possa conjugar-se o silêncio às mãos que unem o tempo, alienar-me do conjunto de dores para me refazer. Sem a clausura do choro a sós, lamentar-me seria um acto mesquinho. Quero tudo o que está para além da simples sombra perene da vida.

Queira a corrente levar-me de volta para a imensidão da cabeça perdida de sonhos. Faria aqui, agora e para sempre, o meu império das mariposas. Sentir-me-ia alado, composto orgânico, volátil à imensidão do mundo expedito.

Faça uma manhã Outonal, o mesmo efeito do beijo de uma mulher aranha, acreditar que sou possível entre os outros. Haja uma crença ainda por conhecer, fazer-me a espera num beco escuro e sangrento, aguardando a minha passagem. Iluminem os candeeiros o tapete vermelho que me estendem para o fundo da rua. Alumiem a minha própria falta, sem que tenha a saudade maior perna que a lembrança.

Sigam as palavras em destino contrário ao que escolhi, não quero saber. Nos voos nocturnos, de pele espartana e desenhos simétricos, ileso à clemência de me esbarrar numa parede, cresce-me esta vontade de matar o mal.

Meu bem, meu querer de azul cobalto, exíguos espaços do meu maior fundo pedem por uma gota de doçura, um alimento incerto, um tormento presente. Despedaçando a névoa em cada bater de asas, desenlacem-se as amarras, queixem-se as vozes caladas. Sôfregas melodias declamadas na voz de uma sereia. Não oiço mais, porém a surdez é fantoche do imaginário. Circulando pela encenada luxúria, encerram-se as janelas da maldita noite. Há uma mulher que escuta o zumbido dos voadores perdidos.

Construam-se as mãos, ergam-se os lábios dos amantes. Sou-o na noite, observador dos térreos e submissos, os felizes do incrédulo. A linha é curta, famigerada consideração, enaltecida por palavras tão vagas como estas. Não me condenso, disperso-me pelo acaso, sem ter um sustento que me alimente.

Mate-me a pobreza, desde que o espírito enriqueça. Leve-me a intransigência do destino ao decepar das mãos, não me escreverei por linhas paralelas. O meu império de trono emplumado, convexo ao Sol da meia noite, espera por horas de luz, àquela que me criou. Espera-me a vida, crivada a botões de rosa, espinhosa e contida no apanágio da carne vivida. Sinto-me devagar, sem mais levar a pressa comigo.

domingo, 16 de dezembro de 2007

Acendalhas

No istmo do meu corpo, acalento a vontade de me cuspir em inferno. Expelir-me em seiva bruta, nesse teu rosto de menina recatada. Não me apetece nada como antes te dizia, acariciando o teu corpo, como nervuras do delicado prazer do deleite. Dói. Dói-me continuar a reter, aqui dentro. Concentra-se a vontade ao mínimo mal da tua presença.
Não te quero. Quero-te apenas.

Nos aceiros criados no teu corpo, a fronteira delineada pelo teu fogo, a minha boca traz à tua pele o limite do tempo, entre as tuas pernas o contrafogo, contraposto, contra o corpo um do outro. Sem nada contra. Ao contrário, abafar a labareda com a língua, retirar-te o ar com a boca. Será o vácuo um sinal de te engolir, sem palavras, de lamentos esquecidos à tradução possível dos movimentos ritmados.

Não quero. Apetece-me.

A saliva é centelha que escorre, que se mistura na penetração do corpo. Sim, meter, enfiar, comer com os dedos. Lambuzo-me até à medula. Crepita-me a vontade de me fundir à terra, enterrando a raiz na brasa, o pau no barro, o aço na frágua.
É o diário de um incendiário que vê nos teus recantos, uma senda a procurar. Desejo ver os teus seios a arder, secar-te toda a àgua, tragar-te toda a fonte. Seria carbonizar o sexo, sem a frouxidão das palavras, sem tê-las, tendo-te.
Não quero. Quero muito.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Carta De Um Amor D'aqueles...

“Amor, chamo-te assim desde que entraste por aquela porta. Leve, sorridente, no perfume de bela que és. Demasiado seria pensar na tua paixão como a razão de olhares para mim. Quero-te, quero-te muito.

Amor, chamo-te assim, cantando-te todo o nome que me és, meu amor. Escrevo com a certeza de que nenhuma palavra fará jus a ti. És tão mais que qualquer mortalidade. Perdi a noção de ser apenas alguém, indiferente, translúcido, no momento em que me sussurraste em toda a tua sede de mulher, que me querias, ali no momento.

Amor, sou-te por inteiro, de igual partilha, teu. Não te sinto apenas como posse, és a oferenda aos olhos de um homem feliz e completo. Tenho-te aqui, vivendo dentro de mim, contando cada hora para te reencontrar. Desejo beijar os teus olhos, a tua pele, mergulhar em ti, morrer e renascer.

Amor, porque o somos, unos. Amantes que nos tornamos em cada toque, no teu cabelo, na tua boca. Sentir no calor da paixão, toda a tua vivacidade espelhada no teu olhar. Tece a pessoa que sou, nos teus beijos, a fio de ouro do teu respirar. Alteram-se os sentidos apenas de soletrar o teu nome, quero-te, quero-te mais.

Amor, sinto a ausência do agora, do quase pranto enlutado, embrulhado nesta distância dos corpos. Aparta-se a luz, esquecem-se as velas apagadas no cantinho de nós que chora. Guarda-se a voz nos hinos velados, chamando por ti, o teu nome, até adormecer. Amor, quero-te mais depressa que o dia.

Voltarei breve, de pressa que não espera, com fome de não te sentir. Amanhã estarei em ti, por ti, para ti. Na rubra pele de paixão, quero-te no fogo de nós.”


Amor, mulher minha. Escrevo-te com esta dor que me invade de cada vez que a caneta fustiga o papel. Por cada lágrima convertida em tinta, em nódoa eterna. Por tanto te amar, assim como agora, por já nem saber o que te dizer mais. Doendo, confesso-te esta fraqueza de mim, a minha pena maior, decapitando o coração, por todas aquelas palavras não serem de minha autoria. Farei das palavras do outro as minhas.
E para quê se amar-te é doer-me...

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Homens

A noite agarra-a na estranheza que o silêncio traz consigo. Sem outros transeuntes senão ela, as delicadas gotículas de humidade beijam-lhe o rosto. Pálida e soturna, vivendo a ausência de si, sem saber que a sua presença é clamada por outras vozes, noutros ecos, com outros frios.

Em pequenos passos, leves e esquecidos, distancia-se de casa, de outras lembranças. Nada lhe comove o rosto fechado, escondendo de todo o vazio instalado, a pena da sua culpa.

Teve, truncada à crença das danças nas clareiras, um antigo conforto. Nos bosques em que pinta as ruas desertas, as suas vaidades incertas, esquecidas ao espelho, ao reflexo que hoje vê.

Serão os homens grandes tão pequenos como os outros homens, revestidos apenas por todo o ego umbilical. Únicos egoísmos, rompendo ao findar de uma noite, sem gesto que se apresente capaz de um sorriso. Quebram-se em acordes menores, quinquilharias obsoletas de um desafino, definhando carcomido, desajustado ao que poderiam ter sido, homens de mulheres.

A forma como se fazem ouvir, aos gritos tornados surdos, coesos na descrença dos seus nomes, e por outros levianamente ditos. Com a ligeireza de quem salta de inocência, os homens, aqueles homens passageiros. Os homens do seu corpo, ela e os seus escarnecedores, usurpando entre o ventre e os seios. Quedam-se por apeadeiros sem nome, incógnitos marcadores da alma.

Desaparece por aquele beco quase sem luz, como um homem que sai pela porta dos fundos. Não volta. Sem perdão nem sinal de uma lágrima, apenas saliva, sangue e dor.

O seu longo casaco negro protege-a do frio, escondendo todo o seu corpo entre uma malha de vibrante escarlate. Passeia-se à deriva, sem chegar nem partir.

Da minha janela que paira por toda a certeza espertina, a cidade torna-se pequena para mim. Olho-a pela deambulação carregada de tormentos. Vivo-a um pouco mais, na soltura do seu cabelo, sem nada que aparente a dança do murmúrio do enlutado pesar.

Os homens, de pele jactante, nas heresias dos pormenores velados e consentidos, escolhem outros caminhos, escrevem-se por outras linhas. Narcísico sentido, nada mais são que homens. Querem-se duros, de densos braços e peitos de pedra. Límpidos, absolutos, os homens querem-se mais, desejando que o tom agressivo desperte apenas quando a tomam de paixão. Os homens constroem-se, mutilando-a nos pequenos contratempos. Os homens querem-se.

Da noite que resta, sem homens, de tudo o que lhe poderá percorrer pela mente, cuspindo faúlhas na tentativa de deslocar a farpa do coração. Passa ela à minha janela, passa ela pelos homens que dormem justos e descansados. Eu vivo a noite, no seu acre cheiro que tossem as chaminés, condensando-a, comprimindo toda a magia do passeio.

Serão os homens capazes de amar sem medir as acções emotivas e partilhadas. Talvez um dia, uma noite quiçá. Desejava eu ser outro, ter o homem que não este meu. Hoje sou-o. Infame, de pedra fria quebrando vidros de janelas que me olham. Hoje sou eu, a mulher de homens que me soubessem abandonar.

É um soltar de cabelo repetido, um acender de cigarro noutro beco, uma espera dobrada à esquina. Repito-a, atapetando os seus lábios por nomes a mim, hoje homem sem o ser de verdade. Quer o hábito aliar-se ao regresso a casa, escamoteado na preguiça de se deitar noutras camas.

Nas horas vagas, seremos homens, outros tantos sem sabermos que na pele da mulher vivemos. Usando-as, com amor.

domingo, 25 de novembro de 2007

E N C R U Z I L H A D A S

(Proposto por ContorNus, aqui fica o meu contributo a que lhe chamo Títulos Circulares)
A título me fiz, confinado ao palco que me aperta ao respirar, confinando-me à pequena caixa sem surpresas nem certezas. A treze réstias te fiz, consentindo vários pecados, olvidando tumultos inatos a quem Sou.

Tácito, no escuro de uma sala, na quietude trazida de um vulgar abandono, pretensiosa "absentia" do rigor a que me dou, por vezes, à noite.

A minha vida, num rol de projecções mentais, como em matiné de cinema mudo, surdo de me ouvir em todos os nomes. Chamam-me assim, à realidade do dia, mesmo que o sol se apresente pálido e incerto.

A menina que brincava sozinha, devorada por olhares proibidos, vacilava entre o passeio e a berma da estrada. Temiam os homens comuns pela sua presença, tentavam-na, recusavam-se a parar. Olhavam e partiam com medo da teia.

Amadurecida no decorrer do tempo, em mulher de Agosto caí, mergulhei e morri. O seu rosto sem mácula corrói-se-me ainda no pensamento, na pele, no ardor da alma, fazendo de mim novamente em reconvertido desconcertante, afundando-me na heroína de a pensar em todo o presente.

Pela memória que se funde à luz do instante, estou triste, por nada. Obrigado. Contido na noite, apagam-se as luzes pelas casas. Volto a dormir.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

A Treze Réstias Te Fiz

Não sei a que sabes
A quem fazes, a quem deste
Disseste que me morrias pela boca
Mas que troca, a que volta?


Colhe a manta, enxuta, perfumada
Cobre o rosto, marcado, longínquo
Abraça o corpo, tapado, saudoso
Exara no pensamento, o que te escrevo


Na cidade, a mágoa, a trégua
Na solitária luz que conduz
Na guia, na esguia palavra
Aparece, no vazio, no que se quer



Dobra a mancha, tapa-a de ti
Gasta a boca, na minha, na nossa
Entrançando o cabelo, à tua visão
Serei eu cego pela sede de ir


Folha, que és fina
Lisa, tamanha beleza
Gritarias por tinta, sucinta
No amor que me tens



Escrevo-te, já morta, fundida em mim
Sou eu que te invento, na prosa
Sem rosto, sem fundo, sem nada
Apenas palavra, impressa, castrada


A quem me dás, de quem troças
As nossas, vãs certezas
De armas em riste, sorriste
Pela lágrima que me provocas



Num exército de ideais
Sempre o facto da tua pele ser Lei
Os meus dedos em guerrilha
Entre as tuas pernas tomar-te
Sem liberdades nem bandeiras


Sentido, ao inverso de ti
De mim, sem berço
Sem cabeça que sinta
Sem coração que pense



Nem mais altivo desejo
Senão este de me perder para sempre
Tragar-me no veneno criado
Não mais ser, sem ter, nem sentir


Cinzelada no fuste
Em prantos de Inverno
Calado pesar, tonéis de segredos
São os meus dedos, passados degredos



A que se te dá, nas sedas das manhãs
Que nem cedo me avisas da tua ausência
Perdidos passeios, envoltos no sonho
No estranho palpite de te saber tão bem


A treze pecados dei por sentir
Sem mentir te apago num súbito suspiro
Respira por fim, sem teu nome conhecer
Matando-te, sem saber acabar

sábado, 10 de novembro de 2007

Tácito

Agonizava em qualquer método de transporte sensorial, mantendo em constante paralelo à realidade, uma fina ideia de purificar as palavras a dizer. Não sabia quando, nem ao certo no espaço, quão maior seria o bater do coração, esperava apenas.

Mais dor não seria, nem queria. Saber ser a pessoa que se transporta para o reflexo, sem passar dos limites da própria sombra. Em dúvidas mordazes, destabilizei-me num segundo mais curto que outro do tempo normal.

Havia lamentos bem piores, eu sei ao que sabem. A constante voz, vinda de um abismo existente em mim, mais me interrogo pelo desconhecido que pelas incertezas assaltantes da noite em que me transformo. A voz, pensava eu, pesaria numa eternidade caso a ignorasse. Pena minha, seria essa bem pior que a ouvir em todo o momento. Sabe-me de cor, em todas as línguas, matando-me de desejo em todos os pontos finais.

Fumo sem saborear a toxicidade oferecida nas palavras, sem gestos aparentes nas ideias. O nocivo que soa ser-se, fazer-se, corresponder-se às linhas tão iguais. Torno-me num arquejo de fumo, tentando em desespero dissipar-me pela incomensurável atmosfera.

Existo sem aparecer, sou sem me ver. Quedo-me na pouca vaidade que me consola, palavras apenas usadas em privado, nesta sempre persistente mania de que a minha pessoa é grande.

Jamais trocaria o sentido e remar na direcção supostamente certa. Nem bússola que se me crave no peito dos sentidos me levaria por outros caminhos. Melhor assim, não sendo mais que isto, assim mesmo.

Estabeleço o contacto com o exterior, nos olhos de quem me vê, sendo a nudez a partitura de um momento de vida. O exagero da minha pessoa, ignorando saber que todo o contacto a existir é tão mais que um gesto, um toque.

Inoportuna, surge a voz consumista, respirando o mesmo perfume em duo. Os pulmões são meus, a vontade não. Há palavras proibidas, ideias para além das mesmas. Trago-me na vontade de fechar os olhos e descansar.

Descubro marcas, adivinhas nas pistas contadas pelos seus dedos. Ela, a voz que me soa tão familiar, encorpada em veludo, tingida nos tragos frutados e maduros.

Ela é, a voz que me dói.

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Sou

Gostaria neste momento de largar toda a pele que se me ajusta ao verdadeiro sentido. Gostaria imenso de o conseguir. Aqui estou, aqui sou.

Na terra que me pariu, ao coração embalado na planície, são os meus olhos o amor da terra, entre influência moçárabe e resquícios celtas. São vozes, castas raízes de únicos valores. Orgulho-me de o ser, de me sentir assim.

Marco, eu sou.

Gostaria mais dizer, sem apresentar o tanto que me falta para alcançar o sorriso. As pessoas são tolas, e tolo que sou em acreditar nelas.

Por vezes, enquanto fumo de uma forma apaixonada e solitária, eu e o meu cigarro somos um mútuo vício. Nada mais me poderia faltar naqueles cinco minutos. Por vezes sim, até penso.

Seria injusto desassociar toda a minha pessoa de quem realmente sou. Eu, o verbo. Fumo porque gosto, bebo por gostar ainda mais. Inalo, consumo tráficos mercantis. Mato, morro, assassino devoluto. Escorro, queimo, amo a pele que roça na minha. Influencio a espera, deturpo palavras, intensifico ódios. Esqueço-me e volto a respirar.

Recomeço sempre que acabo, de preferência mal, ao contrário da forma como realmente deveria ser, assumo-me frente a frente. Vicio-me nos habituais planos, sem que me pareça demasiado estranho esta relação de amor e ódio entre a minha pessoa.

A vaidade é estranha, mas entre paredes, bem espessas, nada me resulta de estranho. Agrada-me. Quero as minhas vontades feitas, prontamente consumadas. Luto contra a minha paciência e tolerância. Desejo-me pior, mais azedo e egoísta. Quero a meus pés todos os beijos prometidos. Desde os meus perfumes às minhas taras, dos traumas aos delitos do prazer, quero-me mais, muito mais. Mesmo nesta arrogância que me enjoa, a antítese de um tempo adverso de outro. Desejo sentir-me sempre assim, vivo.

Necessito de mais um chuto, do cavalo que me sangre até ao tutano. Para isso vive-se entre um dia e outro. Necessito de necessitar, sempre na ânsia de chegar a casa. Por fim, sentir-me na impossibilidade de abandonar esta cabeça e descansar.

Sou eu pessoa de Janeiro, no silêncio matinal do gelo ao acordar. Com os pés sempre fora da cama, livres, terrenos. Solto o cabelo e guardo memórias que desejo não partilhar. Nunca. O egoísmo exagerado porque nunca explicarei a razão de adorar o som riscado de um disco de vinil. Nunca ninguém saberá ao que me sabe o os estofos dos bancos de napa de um citroen. Amargo apenas, é bom.

Convenço-me da autenticidade para que não morra no desgosto de imaginar alguém igual a mim.

Não quero!

Gosto de me arrastar pelos meandros e clareiras deste mundo sem fundo. Entre a Luz e Trevas, agrada-me a constante luta pelo equilíbrio... e deixar-me levar. Serei sempre o único e fiel devoto, missionário de mim mesmo, morrendo a cada investida do que ainda preservo selvagem. Fiel mas excomungado, pelo menos duas vezes por dia, por tanto estar em falta, para comigo e os outros.

O tempo clama por mais calma e temperamento, sem que seja a brandura a melhor das qualidades. Carrego marcas, cicatrizes de juventude, as melhores que possuo. Transporto memórias e colo momentos ao presente. Era ruim, agora sou pior. Reconheço o meu rosto longínquo, revejo-me no sorriso de Inverno.

Acalenta o sonho, a obra que se cria aos poucos no tom pálido da próxima estação, o perfume impregnado na minha língua. Amargo, forte, mortal. Condena-se à partida, a estreita passagem do meu mundo para o externo. É difícil, sou-o também.

Gostaria de ser Outono metade do tempo, preservar-me da mesma forma, com igual beleza. Gostaria imenso de continuar a sentir-me assim, como o Outono para a vida. Outra metade seria Inverno, porque é a privação, a intempérie, a luta, as longas noites. Gostaria, gostaria mesmo de sorrir da mesma forma que numa manhã de pleno Janeiro.

Marco continuarei a ser, estrada fora… irei gostar sim.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Cinema

O Poder ganhou desculpas, esquecimentos, amarrotou-se na alma. Corrompido, comi e servi-me, olhando para a mentira insurrecta. Descolei as folhas, os sentidos, sentindo no outro sentido, mentindo fiz-me na cama, redonda, infinita. Comi, furando o que não queria, fazendo, operando maquinar, provectas mãos, macias, obsoletas para gritar. Resolvi prender, prendendo, prendendo-me, aprendendo a apreciar, em parcial, mantendo-me em gerúndio, sem fim possível. Desci, escorregando no limbo, sendo criança, infantil, pueril, aprazível, jovem de rosto pálido.

A Fraqueza teceu, remoendo conjuras, conluios, afluentes e influências. Morreu, ruindo em ruído, quebrou o enguiço, expectante criativo, olhou dizendo, foder com os dedos na boca, mordi. Freando a avalanche, brilhavam os olhos, cegando, querer-se mais além de dizer. Fez-se progressivo, evasivo, de estilo massivo, sem mundo, mais fundo. Junto, tocando, extraindo, extasiado objectivo, objecto adjectivado pela objectiva, tudo é adjecto de um dejecto pensamento. Por perto, tão singular, melhora-se a bondade, sem saudade, oferecida, criada, mantida sorridente. Satisfaz-se o Monstro, comendo mais, por trás, amarrotando toda a alma, sem calma, suando a noite. Arrefece, congela, perfurando, mais fundo, penetrando, para dentro, mais fundo, para dentro, mais fundo. Suporta, calada, gemendo, chora, querendo-te. Adoecido, apagando da memória vicissitudes, tremores, temores, rancores. Sabores insanos da mente, minto, montando, mantendo, sabendo a menta, dizendo que a mente mente, tão capaz, mentalizado mostro, mais isto, aquilo, e mais não sei.

O Outro Lado rasgou, calou-se e mordeu, esbanjou nexo, com sexo, ao inverso que queria, de dia, mantido em recato, pacato e tranquilo. Fez-se de mar, sem esperar a areia, de finas faianças, na dança, rebola a lágrima, roliça, vivaça e faustosa. De voz aguçada, esperada, velada, castiças maçãs, do rosto de Agosto passado, ao tempo, sem vento, nem lenço na despedida. Foi despido, marcado, usado, gostando, gastando a pele na pele, pela qual se paga o abuso, confuso, do meu, de outrem, deste prazer. Disse, murmurando, sussurrando bem quente, que me queria, que me cria bem dentro de si. De novo, como o dia.

domingo, 14 de outubro de 2007

Absentia

Faz-se depressa. Bem preciso, assim como o dia, sem curas prometidas. Em suma, foi considerada a hipótese de que a perfeição é possível. Aprumadinho e cheiroso, com ar de quem tem um destino a entregar a mãos que lhe são alheias.

Leva a carta no alforge, onde alberga tanta história, mais que as contadas por travessas e postigos mal fechados. São olhos que escutam, palavras gritam nos gestos. Por todas as cidades que o esperam, as mesmas conhecidas de outras paragens. Pensou a saudade pertencer apenas a quem se lamenta em melodias. A todos os caminhos, apressa-se a levar complacência sem despedidas que o agarrem.

A notícia tardava. Naquele nervosismo delicado, deixava embeber-se por entre venenos e paredes que a cegam de horizontes. Os remédios, inócuos, transfiguram-lhe toda a sua candura tecida a ouro.

Nem que a brisa se faça sentir, o odor conhecido da outra pele continua tão longe. Espera pelo momento em que se torne rubra em suores de alegria do regresso, calando todos os momentos de solidão. Aquele toque…

Nada. Morria-lhe aos poucos uma ruga de espera, na sua fina loiça. O seu rosto tremia.

As suas mãos rudes como a terra lavrada, eram rédeas que cresciam, traçando rotas desconhecidas aos mapas. Estratégicas alianças, aos destinos que não lhe pertencem. Deve em maior fortuna o do nome que carrega, a graça da sua corrida.

Leva-te. Eleva-te mais para além do sol. Nunca saibas de que se serve o pesado sentido da saudade.

Doces lábios roçando no cristal. A sua boca coberta de vinho que lhe sangra da alma. Em espera interminável, sem encerrar o pulsar desmedido do coração entre os seus dedos. Encarcera o seu tumultuo por entre os ossos. A sua lividez, naqueles olhos de espanto, da cor com que se vê no mundo, a mesma sentida no seu coração.

Longa como uma serpente, o seu medo de enfrentar mais uma noite, a sós, sem as mãos que lhe dão vida. Tanta estranheza paira para lá das cortinas. O magnifico, escondido algures para lá da mesma porta que deseja ver abrir-se.

Alinhavada, mesmo com as certezas que a noite viria louca e fria. O homem não regressa, como tantos outros sem retorno. Louca, despida, de tão fria lhe dizia a morte das suas certezas. Entre as suas linhas e o fio da lamparina, espera no pranto de esquecida. Olhando para lá da vidraça, para além do escuro e turvo calar encostado à sua vivência.

Concentra-se de novo no fuzil ao seu peito, nas sombras trémulas das suas dúvidas. Incertezas essas que a calam, envolvendo-a devagar no sonho. Suspira em segredo, como um peso libertando-se da alma.

Belezas caladas, descalças na terra batida, pisada e vazia. Acorrem-lhe momentâneos espaços verdes entre os pensamentos. O vento frio corta-o em lascas, lâminas do sopro gélido. Calcam as costelas no estômago vazio. Alimenta-se da própria alma, sem o arnês das incertas questões julgadas, finadas, finitas, tomadas.

Como poderá medir-se a velocidade da dor, sem que haja comprimento suficiente para se escrever o Amor. Como haverá maior destreza, se nada existe nos constantes vazios da ausência. Como se fará, num solfejo, enganar-se as horas na esperança carregada a mil artifícios.

As margens separam-na da resposta. Falha. Apaga-se.

A espera termina no mesmo ermo do último adeus, o primeiro de todo o sempre. No fim da terra, na madrugada já desperta, sozinha e confinada ao amanhecer. O mensageiro segue pelo rude caminho de escarpas e armadilhas. Os seus destinos esperam-no. Faz-se depressa. Bem preciso, assim como o nascer do dia, sem curas prometidas.
Não existe cura para o Adeus...

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Contido na Noite

Passei por nova madrugada a sós. Habitua-se a mente à solidão do pensamento, sem consolidar ideias seja com quem for. A sina da demente progressão das horas, o incómodo de apenas a respiração ecoar nesta massa.

Desconfiava tanto de mim que cheguei a minar o caminho da mente. Dei por mim esvaindo-me por entre os destroços, uma e outra vez. Seria necessário chegar ao ponto de considerar parte de mim como uma máquina a vapor, lenta e desmesurada. Conseguiria em cem anos, talvez percorrer uns três quilómetros de luz, e nem assim sentir-me a salvo das próprias mãos.

Nasci entre mãos divinas de Amor, e serei eu melhor homem por isso? Por qualquer zona do corpo que meça, nenhuma é superior à pele que me está colada. Conseguiria compreender melhor o destino, se as consequências dos atentados à mente não me fizessem pensar.

Gosto de mexer o café com o dedo, no sentido inverso aos ponteiros do relógio. Acaba tudo afinal, no mesmo momento do sinal horário, neste tempo que alguém se lembrou de tentar prender. Classifica-se assim, este momento como 3h45m, ou melhor, quatro menos quinze.

Acumulo sono, cansaço, sonhos de olhos abertos que sei nunca sonhar. Acumulo ideias, nomes e choros, lágrimas que oiço passar pela rua. Acumulo mais um pouco de nada, de mim a qualquer esquina mal iluminada. Impeço-me de fraquejar perante um pequeno mundo que vive dentro de uma pequena televisão. Na casa de uns idosos, de olhos gastos para o mundo, fintando os meus através do ecrã.

Vive-se no sabor efémero de um floco de neve, de papel celofane bem vermelho, de sangue. Cospe-se em negação maior por se sentir a brevidade das palavras em cada sílaba. São linhas entre férreos desejos, cruzando toda a paisagem a caminho de casa. Pequenos saberes partilhados em sorrisos entre estranhos. Serei comum a todos os sujeitos com predicado.

Estranha e falsa modéstia, a que me dá em poucos momentos. Sem que atropele demasiado a outra parte que dorme, a minha cabeça manda-me parar. Cada adormecer é uma morte anunciada, uma lanceta seccionando até à medula, a resistência da insónia. Redobrem os sinos, quando já exausto disser para mim mesmo - Não posso mais...

domingo, 23 de setembro de 2007

...todos os nomes

De tanto me agradar a imperfeição das tuas palavras, resolvi matar um pouco à sede, todas as decisões que tinha para hoje. Talvez percorra entre os meus devaneios secretos, acompanhada pelo teu cheiro a pessoa minguante. Segreda-me o teu suor, odor da tua ausência, a necessária distância de já nem saber ao certo, se realmente me esqueci por completo das pessoas que tens em ti.

Rouba-me espaço na cama, toda a insónia colada à obsessão que nos une. És doença rude de homem, o meu que és. Massacra-me, dói-me pensar que és igual às folhas tingidas do negrume da tua língua, és rio que se perde no mar. Serão as tuas estátuas sinais de derrotas, porosos fragmentos em que te desfazes.

Pudesse eu continuar a ser tua heroína, ultrapassar contigo as ruínas, sonhos descalços e órfãos da beleza de Deuses. Queimar-me-ia ao Sol dos teus vícios menores, idealizados e transcritos para as linhas imaginárias do meu corpo.

Humedece os teus dedos entre as minhas pernas, a tinta que te faz escorrer mais um pouco da face que escondes. Contraposta, estou desde o nascimento na margem esquerda do canto superior, esperando que o teu corpo ceda ao veneno do sono. Sonha meu amor, sonha...

Deformada que estou, sendo cera envolvendo o teu pavio, o chorrilho sentimental das tuas inúteis palavras. Bem longe e enegrecida no desencanto, a alegria seca nas tuas veias pedradas de tanto te quereres. Vaidoso, dás a semente ao meu ventre criador, em futuro alimento da tua pobreza.

Hoje não estou bem, por tanto gostar de ti, na liberdade concedida pelo teu cansaço. Neste momento deveria estar bem longe de ti, fugir para outro que me pensasse. Escrevi-te, com a tua própria mão. No amanhã já tão perto, estarei na transparência a que sempre me obrigaste, irás ler-me entre as tuas palavras.

Chamar-me-ás...

domingo, 26 de agosto de 2007

Mulher de Agosto

Jazia ela, como as noites malditas, impávida ao meu pensamento. Saberia mais que ninguém a não confiar em vultos turvos e sombrios. Sabia ela, sem se confinar à frieza, aparecer-se bem e regrada em beleza.

Serena, de pele sarracena, trigueira de amores. Dizia parecer-se com a sua mãe, de outras margens que não as minhas. Beleza mulher, de cercanias maduras, vislumbra-se por entre as coxas, a terra fértil que semeia o seu ventre.

- Mulher! - Chamei-lhe, sem saber que tão certo estaria em dizê-la naquele nome. - Mulher! - Repetia-a. Toda a sua poesia, tanta que nem ar existia para respirar. Só prosa me ocorria por entre a nefasta linguagem dos mortais. Dizer-lhe luz seria ser o Sol. Cantar-lhe o vento seria perfumá-la. Deixar-lhe o canto, como murmúrio de fonte.

E a língua que termina em istmo, entre o coração e a alma, perdurasse mais o teu sorrir que a minha desvanecida vida. Sim, indagava-me entre mares, que nos seus braços seria aportar sem que morresse na solidão. Naufragava no gole da sua saliva, correr-lhe pela garganta, engolindo-me aos poucos.

Mulher, diz-me que mais dizer! Diz-me, mulher, tanta é a dor de pensar-te entre as minhas veias. Doença que fosses, bendita seria a ausência de curas. Purgares quem sou, de venenos me deténs, que oferenda me dás em maçãs do teu rosto.

No caminho que se toma, entre a incerteza do sonho, apenas fui por ali, pelo lado que esperava mais certo. Parei. A esquina que se compadece à veleidade de te esperar. Parei, e parado fiquei.

Mesmo que por mais indeterminado que seja, o tempo feito de mansinho, para me atacar de feição ao seu sorriso. A hipótese seria vasta, como todo o seu peito firme, de mulher que me assombra.

Sonhei-lhe a voz, o cheiro, o calor. Vi-a em cores, formas de névoa, manto de seda de águas profundas. Mulher, chamou-me. Pelos seus dedos pediu o encosto, o encontro de mundos no seu leito. Senti-lhe todo o sal que comporta, de cada lágrima que se aguarda eterna.

Pequei no esquecimento, sequei a espera que te fiz à porta, jurando em mentira por nunca mais importunar-te nestes nadas que florescem em mim. Mais devagar mulher, quero sentir-te sorrir por mais tempo. A pressa é má parideira, continuarei a colher-te a horas tardias, aquecer-te por entre os meus lábios. De cor, sabendo dizer-te o mais que imaginado.

Incomodaria o Luar se clamasse o teu nome a fio pela noite. Conspiraria assim, contra os comuns que morreriam de tanta inveja. Eu sei mulher, o lugar a que pertences, e eu... terei de acordar.
Agora.

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Menina

Menina Rosa, encantada dos ventos, perfumes escravos de sua pele madura. Dançante, vibrava nos sentidos comuns de quem a suspira, respira, morre a cada olhar.

Menina Rosa, que no seu perfil tangível ao sonho, sem rosto nem ordem, classificara o seu jeito aos feitos de alquimias perdidas.

Quem foi, de tanto desejo contido, sabido até vinte mil léguas no fundo de mim. Escondida na semblante aparência, ao pé que se entrega. Menina Rosa, ao seu peito regresso, na calma de noites veladas, sabidas, esperadas.

Desvanece a candura, a maldade contida de um pesadelo de pensar pior. Qualquer maneira que houvesse de materializar o cântico, ecoando na gruta criada a mãos de terracota.

Menina Rosa, sereia terrena. Agreste na espera pela morte em hino expedito. Queria a Mulher ser feita à sua imagem, seguindo os seus traços no deserto idealizado.

Menina esquecida, espinhosa, ténue visão nas cristalinas águas que lavam a fé. Levam-lhe as correntes para açudes, cidades e pontes. Verga o Sol à sua passagem, eclipsando a vida à sua ambígua negrura. Menina luar de Outono, que neste tempo preserva-se a condição de vida, aos preparos da intempérie.

Menina, menina vida sem nome. Chamo-lhe Rosa, rota de sedas imperiais. Transtornos nocturnos, mercantilizadas companhias de emotivas ideias. Chamo-lhe espelho meu, reflexo sintomático, sem silhuetas de recreativas movidas.

Ao virar da página, esquece o poeta que o mundo conspira contra o seu sono. Menina, terra de colheitas, saberes e sabores, no mundo interminável da minha cabeça. Poderia cortar os pulsos e esperar que as palavras surgissem por entre as linhas.

Menina mulher de tamanhos encantos, de tanta fina voz desejada em embalos. Embaraço ao que se destina, naquele tom de sorriso envergonhado, timidez enfeitiçada. Não teria uma boca melhor sentença, que o seu beijo tomado.

Menina, escolhida, prendada, tributo de oferenda à terra, olhos que falam ao coração. Voz que gera viver, escolher, dissertar magnânima soltura da sua cintura. A seus pés, toda uma vastidão a conhecer, nos campos que tudo nos são.

Menina carícia, solfejo lento, de mansinho, até ao vê-la raiar no horizonte. Menina Rosa, seus encantos esperados, aclamados, certas são as certezas que correspondido é este sentir de mais vidas a descortinar.

Menina, palco de vida, ostra azul do mar já conhecido. Areia de fina dança das marés. Quanto mais puder ver espraiar, dando alento ao seu vai e vem... e vai... e volta de novo, de rosto, de dor por mais a dizer deste modo, Menina.

sábado, 28 de julho de 2007

Reconvertido Desconcertante

Deixei de beber, e já sem tinta na veia
Nem pressa que se me destine
Clarificando o jeito de mau estar
Melhor me sentiria vacilando no confuso

Lucidez que és merda, repleta de tantos bichos
Vociferavam contra os viciados
Outras vozes, anónimas, por entre as pedras
Sinto que ficaria bem melhor, sozinho

Larguei os fumos, os escuros e silêncios
Depois de janota, lavado e bem encarado
Morro à luz de qualquer vela de promessa
Trémula, vacilante da fé de quem a deixou

Deixei-me eu, deixei-me de vez
Sem promessas de que é a última vez que me deixo
Depositário de intenções, pretensioso tom com que me falo
Já nem a banquetes me dou, de tão bonzinho que estou

Ao que me dou, tão bem capaz que sou de me contradizer
Às securas que prometi água, às encharcadas que falei de desertos
Quedo-me bem pequeno, sem passo de gigante, nem cheiro de aguardente
Talvez acerte o passo, em compasso, de nó dado ao tempo

Para que nunca me esqueça, sou eu quem vive
Dentro da formosura da saudável dinâmica
Pensador de hábitos desviantes, lavado na barrela dos costumes
Sem lágrima que seque, enxaguando por fim o que me resta

A mácula a que me presto, sem companhias de maus hábitos
São pedaços maus de mim, de todos, de nada
Sou eu quem os faço, e eles a mim
Vinho corrompido desde o fruto que vi nascer

Tratei de me dizer o que deveria ouvir
Fazendo-me de estúpido, o maldito esconjurado
Faço-me à imagem de uma cruz que naufraga
Seria eu Jesus se a blasfémia fosse divina

Acrescentando à ementa do dia
O enjoo à lívida, insípida e despropositada refeição
De virginais perfumes de meninas de chá
Martelando de amor, leves notas de paixão

Acreditado em tantas espeluncas de crenças
Maior fui quando me guiava pelo escuro
Agora na luz, ressaco, alucino com tudo o que me cerca
Talvez nem morresse tão depressa como pensava, como estava…

quinta-feira, 19 de julho de 2007

|I|m|a|g|i|n|n|a|t|i|v|a|

Sentia-me completamente seccionado, como um ser assexuado após a castrante sensação do pensamento a escapulir-se pelo ralo abaixo. Arranja-se uma referência, um ponto de fuga, um objecto inanimado na parede. Até que a mente se perca um pouco de si, até que eu me deixe levar, até que os efeitos colaterais se façam notar.

Cheiro, oiço, aqueço, suo. Observo as pessoas, aproveitando esta pequena jaula de inúmeras cobaias, tentando encontrar um local onde não fosse tanta vez incomodado. A selva densa, de corpos inflados, perfumes misturados num ambiente quente e viciado. Tantas caras, tantos rostos, poucas almas.

Nem parecia ela, após alguns anos sem a ver. O meu coração congelou por minutos, senti-o e ficar empedernido. Temi o pior para a minha saúde, seria ali no meio de uma carneirada de alcoólicos e desesperados nocturnos que iria desfalecer, dando assim aquela imagem de fraco ou demasiado ébrio.

Mais motivos de boatos. Diriam que já estava demasiado bebido para que me aguentasse de pé ou que a droga me consumia por dentro. Não é uma mão cheia de gins tónicos e outros tantos “king size” que me derrubam. Ela sim, derruba.

Estava capaz de queimar todos os campos de trigo do meu império, passar fome no Inverno, nuclear que fosse. Que raio de maré te trouxe de novo até cá. Meu Deus, ela no meio dos suores alheios, do ar viciado, nas luzes agressivas… e o ambiente mais que perfeito.

Olhei-te, comi-te, desejei-te, ali. A cada movimento apelativo do teu quadril, sentia-me regredir na evolução humana. Primitivos pensamentos, insanos talvez, vernáculas palavras que te proferia enquanto te dirigias para mim.

O cabelo longo, escuras tranças, rédeas que na loucura tomaria por minhas. O meu peito saltava no ímpeto, da mesma forma como o seu peito se ajeitou ao meu. O seu abraço, o seu perfume, aquele orgasmo de saudade. As palavras circunstanciais volatilizam-se com a mesma rapidez com que acabo com mais um gin. Mais, necessito de mais, mais, mais!

Enquanto dança para mim, entre os olhares fulminantes. Gozo de a ver tão… tão…. nem sei. Olhos nos olhos, sem que nada interfira. Fixando um desejo terreno que se instala, penetro-a até onde antes o fazia. Quero-lhe mal, muito mal. Aquele mal que se quer quando tanto se deseja.

Entregamo-nos a uma deliberada provocação, a guerra instala-se em cada corpo. A impressão que se instala entre o peito e a pélvis. Dilata-me. Incha-lhe. Roçando o explícito, desaparecemos daquele palco. Entre a confusão e a pressa de sair, de fugir para bem mais longe que um canto escuro no beco, era sentir a sua mão agarrando a minha.

- Aqui está o combinado, não te apago da minha imaginação. Agradeço-te por me teres inspirado enquanto estive lá dentro. Estás de carro?

- Não, podes deixar-me na tua gaveta dos devaneios.

- Voltarei a contactar-te quando necessário.

- Eu sei querido… eu sei. Adoro quando o fazes desse modo…

- Sabes, quase que poderia afirmar que tenho o teu sabor na minha boca, o teu cheiro nos meus dedos.

- Imagino…

-Imaginas…?

domingo, 24 de junho de 2007

Peep Show

Gosto de quem gosta, como eu, do sal na pele seca. Sabe-me a pouco, tão pouco mesmo que me parece a insatisfação uma morte declamada a só.

Não gosto de partilhar estes gostos. Mais que devaneios, são fraquezas da carne. Já me basta mantê-las no anonimato de um desejo não reclamado. E aquela mulher destrói-me sem saber que o faz. Amar sereia de terra firme, para no fim naufragar como qualquer marinheiro sem fortuna.

Dói-me só de olhar, servir-me do indiscreto, tirando-a desta realidade, medindo todo o seu corpo no tamanho que tem o meu viril desejo.

A insistente luta por não perder a pose inabalável, o intocável no canto escuro da sala, espera por nada. De tanta aparência que me engane, mais barata me sinto quando a vejo aproximar-se. Esconde-se o evidente nervosismo, correndo da luz de tudo o que me faz mover, as maiores ganas de a rasgar toda.

Poderia chamar à razão a aparente pacatez da minha pessoa. Comedido, peço mais uma bebida para combater a sede da minha mudez progressiva. Encarquilham-me os minutos incessantes quando a perco de vista. Está ali, está algures por ali.

Gosto de quem gosta, como eu, do perfume depois do sexo. E sabe-me a pouco, tão pouco mesmo que o seu nome seja apenas a outra parte que lhe conheço.

Impessoais, os devaneios em comum por toda a sala. Exibes-te a nu, todo o teu molde de Deus perante os meus olhos. Adornas. Contornas. Tomas e destróis mais cantos meus. Já nem respirar me apetece, já nem ar me faz viver. Transpiro, embaciando o vidro de tanto me incomodares. Morro a cada vez que o tempo se esgota. Volto a gastar mais uns soldos. Preciso ver-te.

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Avenida de|vida

A avenida termina no abismo de um semáforo. Quando cai a noite, sozinho na extensa recta, o pavimento ainda quente, colando os meus pés ao chão.

Sem que tire às palavras razões certas para que me condenem, encolho os sentidos para dentro de um recipiente estanque. Não fui mais homem ontem que hoje, apenas não sou mais aquele vertiginoso velocista, habituado à vida no arame. Parei. Depressa acolhi o que estava sujeito a morrer, ali no abandono, ao sabor dos dias.

Segui em frente sem olhar para o sinal. O que me deste, iluminado e com aviso sonoro. Foram as tuas acções vãs. Foram as tuas palavras suspensas de inutilidade.

Insurrecto, como quem antevê o seu declínio, reinventei-me num amotinado e sentimental serão a sós. Não há sinais de luta, apenas sangue. Sangue do meu sangue, o próprio que me pertence e a nada se lhe dá. A voz criminosa eclipsada pela bebida, calou-se a arma do crime. Investiga-se ao detalhe, o meticuloso problema do coração. Como bate, como morre.

As ruas despiram-se para mim, para me verem passar. Nas mãos onde dançam carícias que ficaram por usar, créditos sem uso, parados. Lamentos enfim, na mesma recta interminável para o meu curto fôlego.

Nos bolsos já vazios de memórias, qualquer suspeita seria escusada. Não tenho como pagar a minha dívida ao mundo. Amortiza-se na constante luta, na saga tecida sem pintura heróica e épica. Nada de cores, nada de efusivos abraços. Trata-se de uma espécie de eufemismo, de linha traçada entre um ponto e outro, sem paragem obrigatória para anotações de lembranças.

Caminho em direcção ao sinal vermelho, sem ter decorado o impasse que se faz à espera de avançar. Orienta-se todo um Império para um ponto cardeal, para onde se deve venerar o nascer de luas confidentes.

A sombra que me circunda conforme passo pelos candeeiros luminescentes. Não me larga a negrura língua desta amante que corre por mim. Cria-se a noite para distender toda a pessoa contida na palavra. Encarcerando o meu nome entre os ossos, é esta marca que não fica para além da existência.

Retenho-me no cruzamento, sentindo os pés colados ao chão. Esperarei pela hora de ponta, pela condensação do amanhecer. Preenchendo os bolsos vazios com as mãos dançantes de carícias por explorar, não será a fome sentimental da sequiosa vontade da noite a principal causa desta insónia.

Agrada-me a nudez da vida, da parte que me sabe fazer sofrer...

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Descamisando

A minha leve camisa, incendiária de avareza no que esconde. Ai, corpo comum, delito tomado a preceito, sem respeito que valha a condição. Tomada a pouco saber, sem que me torne num oferecido qualquer.

Tapa a nudez do peito que arde, inflama por que me dispas. Despe-me, despe-me. Cada botão, dedo a dedo que cicatriza, ardor de que me esqueço. Entro. Desço. Morro.

Tomara a noite saber em viva voz que lhe é dada, toda a conquista em posse sucessiva, mascarada de laivados prazeres. A língua que se enrola ao falo destino, sedento sou, estou, de mim, de ti. Tira-me agora esta camisa.

Mais um pouco dessa droga. Estranha, entranha-se na garganta. Sede proporcionada, soluços de te formar na voz que me escorre nas entranhas. Treme, vibrante, a viçosa flor de carne. Seiva bruta, sal que amarga os doces lábios que te murmuram. Sabor a ti, segredos fechados, calados na quietude contrastante. Dá-me mais desse vicioso sentido nocturno.

Solidão cauterizada, silêncio interrompido quando me rasgas. Loucura entre as quatro paredes, tecidas nas promessas passadas. Presentes destinos, tragados momentos a sós. Bebida em chama azul, pronúncia marcante, quando dedilhas esse nome de pecado, quando me chamas assim.

A minha leve consciência de perigos maiores, já sem nudez que possa estranhar, nem feridas que infectem o prazer. Sigo a ténue luz do isqueiro. Circundar a chama, reacender-me sem tirar, sem ousar em ganhar fôlego. Não páro. Segue o rasto, despe-me de novo a camisa.

Dá-me a tua boca, dentes cerrados para a cura. Desejoso ardor, queimando até morrer. Rasga o que resta de mim. Desliza a tua aberrante mania de me marcar a sangue. Violenta, possessa dos meus botões. Rasga. Revolve. Resolve.

Deixa a janela aberta para que circulem as ideias. Não tenciono morrer mergulhado no próprio ar suicida que criei. Deixa-me sair, respirar, morrer. Acabar azul em preto fosco. Deixa o que me resta da camisa, sem fronteiras, nem faianças de palavras mal medidas. Dita o silêncio a melhor das conversas, enquanto secamos suores.

Espalhado pelo chão, o que sobra do meu pudor de esconder vergonhas. Exibidas a nu, despidas peles, jazidas de pensamentos. Excitado, quero em mais morrer, em destino a dar-me ao pleno prazer. Oferece-me uma nova camisa. Usando-a só para ti, caberá toda a minha pele nas tuas unhas.

terça-feira, 29 de maio de 2007

Separam-se os Amantes

Renasço perante a incerteza de te olhar. Apaga. Fala mais fundo, bem mais que a minha garganta. Caminha. Estas suturas que me deixaste, a boca que não te fala. Fogo que me ama, foste lancinante na luxúria libertina de me congelar. Possessa alma, tez de oriente, sem mácula de sangue, nem sinais de máscara. Liberta. Liberta-me.

Caminho de bons modos, que nas certezas vivo, acompanhando o rasto perdido. Pó. Tinge-me de guerra, dilacera-me no respirar. Pesa-me. Sustém-se a rouca voz, alcança rochedos, murais invadidos pela tua tinta. Sê quente, pedra, amor que me pesas. Ombros meus, desejo profundo, voar seria ascender até ao Inferno. Gera, cria-me os sentidos que deixei.

Nas sombras, negras fadas que amei, senti como tu, meu pesadelo. Relembra-me aquelas histórias que acalentam o destinado final empírico. Principia-me de novo, velha arte a pulso, a nascente da fonte que criámos.

A ferros, em brasa, queimando o brilho dos campos que possuo. Sou luz, agora. Serei sombra, adiante. Faz-te mulher, procria-me. Destina-me, meu bem, primaveril romaria. Sou criatura, massa piroclástica, bem lá do fundo que não acaba. Lamenta o meu retorno, a minha volta na cama. Ofereço-ta a outra face, inacabada, devastada pelo teu beijar. Espalha-me ao mundo, pelo teu corpo de encantos. Serei praga sem lamento, infectando o coração, este que tanto roubaste.

Espelhos, gritem o meu nome. Gritem a fastidiosa ordem. Império mais longínquo que a agonia possa suportar. Vozes, clamem-me em odes perversos. Ordem, que todo o teu medo me silencie. Alcançados estamos, separam-se os amantes.

segunda-feira, 21 de maio de 2007

T r a n s|m|u|t|a|t|i|o|n|e|

Poderia ter um inicio especial, nem sei bem, porque haveria de me preocupar com isso? Conseguiria rumar sem saber, como detentor de uma certeza, a caminho de uma tomada consciente, até à meta. Que destino? Para que fim? Incomoda-me a verdadeira meta, acaba sempre num final.

De cada vez que pratico a pausa, mais certeza tenho no que me é incerto. E tanto me seco de ideias, como se me abate em dilúvio não anunciado, palavras que não chego a escrever. Sedimento com o passar do tempo, sem que me transforme em rocha dura, nem fóssil para futura memória. Não sei nada mais que este pouco escrever. Muito menos será este, um gesto humilde e sincero, porque isso cultiva-se nos homens verdadeiros, ou pelo menos, os que tanto almejam sê-lo.

Rendo-me antes a este vício de me explorar, violentar as horas de sono, esquartejar a madrugada no meu silêncio, no meu momento de paz. O sonho que espera, ansioso pelo adormecer do meu corpo. Exploro, quero mais espertina, cafeína, nicotina. Heroína apenas, meu desejo de carne e osso, aquela mulher que paira no ar, eterna... etérea.

A pele nua, colada à pele de outro que não me lembrava já ser. Outro tanto que não sabe que parte sou eu. Sem que me confunda demasiado, neste gesto do saber quantos mais sou, por fim sendo o mesmo, e mais uma vez, no final de mim. Seria amnésico, sem relatório de danos, seja pancada maior que a minha pessoa, salutando por mais brindes de alcalóides.

Em tempos acreditei que a euforia fosse o elo maior de toda a criação... assim Deus, ficara louco varrido após finalizar a sua. Sem que me compare, apenas o espírito não era tão pesado na altura. Já o cansaço tem nome com significado, pesa-me nas pernas. Preocupo-me com a intensidade da dor, num desacerto do coração. Talvez me bata à porta, uma inconsolável perda, que em dor maior me torne, num fracasso que nunca quis ponderar haver em mim. A hipocondríaca mediatização, da decadente rotina do meu mundo, sem que dúvidas hajam que um dia me vou arrastar, de uma divisão para outra.

A manhã que já desperta e me apanha desprevenido, de olhos perdidos para o fundo azul do tecto celestial. Acompanho-me num cigarro, pesando-me a vista e os ombros. Cansado estou eu, sem que tenha um café para despertar. Sem que me incite a qualquer gesto brusco, saio da luz e retiro-me para um canto escuro. Vem aí um dia quente, muito quente. Durmo agora, de seguida, depois de ter estrangulado a noite.

sábado, 12 de maio de 2007

Sabor Que Sei

Sabor a suor, o corpo de gelo que derrete lentamente, fluindo no doce néctar do dia. Sabor a tarde, o copo servido ao fim da pausa. Saber a mais, de trago em trago, acompanhado a ritmo lento, esquecido.

Sou daquela linhagem específica, não ordenada, enxuta nos pequenos sopros de vida. Imposta a colmatar a necessidade que se arrasta na mesma vontade de querer, de tanto beber-te, mais desejo de sede tenho. Sou assim, com toda a normalidade, estendida até a luz desaparecer.

Ergue-se o copo, a avidez de perseguir a sede. Vazio, olho-te por entre as tuas linhas deformadas pelo vidro, fluidas na secura agora instalada. Vem, sussurra-me no teu gosto de me agradar. De mãos dadas, esperamos a noite calma, o seu cheiro e frescura. Aproxima-te, quero beber-te o vinho que me ofereces no teu corpo. Dá-me mais, frutado, na casta do teu perfume.

A correlação de sorrisos partilhados, em variáveis transmutadas, definidas aos meus olhos, sobejo prazer em te beijar. Sob todo o teu brilhante olhar, génio que me acende em mil e uma lucernas dos mais recônditos desejos que vivem em mim.

Sabor. Sabor, saber mais sabores do que és. Enche de novo o serão que nos guarda, sem desperdiçar quem me fazes ser. Toca-me, destila a minha constante amargura, como lúpulo da minha saliva. Decanta o meu jeito em quebrar o gozo do dia, sem que me alteres na composição. Artífice de ouro, pés descalços no meu peito, prova-me no beijo e no aperto do gesto.

Ao fim de todo um dia, completa-se a memória que virá na tua ausência. O que me espera será apenas uma pequena pausa. Parte do meu desejo esperará atrás da porta, para que voltes a entrar. Quero a saudade presente, sem que todo eu te espere realmente. Outro lado que sou, aguarda o sabor de me oferecer. Aguardo, aguardo... porque quero.

quarta-feira, 9 de maio de 2007

Gestos comuns de um homem, incomuns de quem o vê

Faço votos no silêncio, traços mansos de comportamento
Mancos estão os sentidos, por estes gravetos que vislumbro
A luz mal enjeitada, as tuas roupas engelhadas
Não quero morrer de pé, em consciência ou lucidez que me pegue
Embriago-me no teu corpo, sem seres rosto ou nome que me valha

Nesses bordéis, sondados em preciosas horas
Esperas de balcão sustentadas a algumas bebidas
Estratégicos, olhos que miram propostas de embarque
Viagens de ida, sem volta imaculada, entre cigarros mal fumados
E seios, desnudos, embebidos no enjoo perfumado

Rameira personificada, uma santa de carne
Esquecido de outros desvairos menores
Da colcha quente, às tuas humedecidas coxas, não se comenta o desmazelo
Descaindo na latente formosura, mais bela és calada
No corpo pago que tens, a soldo pela nudez da crueza

Cadencia o meu acto, decadentes palavras que não mais te digo
Noutra altura que seja, jamais adormecendo entre parasitas
Social, sou eu, sem cavalheirismo no trato
Mal os brutos gestos sossegam, a languidez em ti contida
Falsas modéstias, trancadas, para lá daquela porta

No fim do corpo que te pertence, no estreito que já cruzei
Pago-te a dinheiros, justos ganhos, cordiais cumprimentos
A menina sai, antes do incandescente golpe numa droga legal
Olho aquelas pernas, sufocam qualquer decência
Menos mal, o meu aço funde, o nervo impele a desejar-te mais

Escrevo palavras na colcha verde manchada, palavras comuns a ti
Dos laivos acusadores, ao teu sabor nos meus dedos
Androginia sentimental, quero-me na rua escura
Por onde caminham vergonhas, cabisbaixos homens
Transeuntes que se acompanham, maraus tertluliantes

A vaidade acende o meu isqueiro prata, nas cigarrilhas importadas
Do outro Atlântico que não este, o descoberto e agora negreiro
Acompanham-me vícios, lacunas e avarias
Nem completo sou em toda a minha falta
A lívida surdez que me apanha, até à cegueira de não sair deste antro

sexta-feira, 4 de maio de 2007

Eu, Tu

Tu e eu, conjunto infinito de uma rara coincidência. Largos caminhos, que por vezes, demasiadas até, se estreitam e aniquilam tudo o que se poderia descrever. Tu, não mais és quem sou, visionário, reflexo de espelho. Sou eu, toda a mão que bate no peito, sorrindo ao vento que me torna invisível.

Não mais esmoreço, nem adorno com a chuva até aos ossos. Mesmo adormecido nos braços de quem cria a o mundo, a sentinela seria a mesma de quando me deito. Todo este ciclo interior me cansa, aos poucos, como quem lança semente no vazio. Criados em tantos sonhos, aqueles maquinismos complexos, completos, fazem-me sonhar com o mais improvável dos fins. Ser-te tão longínquo como sou de mim.

Reverso que és, medalha pela lacuna de não mais saber o teu nome. Dou por mim na confusão dos meus pecados, sem a sombra que me falta. O peito que me falha em ar, por estar demasiado apartado da linha do infinito.

Tecerei em mais linhas de escrita, umas quantas palavras que pouco te sei falar. Dizer-te em palavras, das mesmas que sempre uso, que és meu, sendo eu a tua perpétua imagem. Descola-me de ti, descrença maldita. Exauridos momentos em que tanto me calo. Tanto mesmo, tanto...

No toque da pele, no espelho de Narciso seria o próprio beijo que te desse. Ofereço-me antes, ao destino que me conservo. É consumo a que me acostumei, extinguir-te nas últimas palavras, assim como agora.

Velho culto, danças de cavernas. Escondo o pequeno cintilar da vida em chama. Pavio a que me dou, serias tu a clemência viva em toda a cor. Dar-te significado, oferecendo-me em corpo, para que renasças de cada vez que morres.

Quantas vezes chorei no teu leito, quantas mais te lancei aos céus. As mãos guiam-me pelas linhas que escrevo, as mesmas que comandam a corrente. Prende-me mais, aprisionar-me sem olhar para quem sou.

Não estaria tão longe do final, caso a tua liberdade condicionasse a minha soltura. Vivo, revejo-me na palavra que me foi ensinada, sem que me aprimore na certeza de adjectivos. Preso estou a sentir o fundo de nós, até que a morte me separe enfim, de mim.
A todos, muito obrigado pelo melhor prémio que me são.

quarta-feira, 25 de abril de 2007

Seiscentos e Sessenta e Seis, Vezes Sete

Revolve em tempo que corre
Na pressa, a galope que morre
Nas mãos de quem ama e espera
Desesperas tu, que nada sorris


Não sabes tu que nome tens
Sem seres quem ousa gritar assim
Que no amor não está o fim
Sem cor, nem calor que me faça olhar


Parte em tempo que espera
Esfera isolada, contida em ti
Içada a bandeira, na corda que te amarra
Aperta segredos nos becos da noite


Escondidos degredos, que em teus dedos estão
Não são mais que enlevados murmúrios
Torturas pingadas de errantes amantes
A boca que sou, em fumo que inalo, és droga


Extremo da lança, no gume de querer
Seiscentos e sessenta e seis vezes
Motivações de mais querer-te, sabendo que já és
Todo o sangue que corre, em força, na artéria de nós


São pós, mantos que cobrem
Enlaçam velhas guardas, esperas nocturnas
São velharias, chapéus e baús que jazem
No velho íntimo de esperar, que venhas por fim


Sete resmas de papel
Escritas a tinta de pecados
Personificando em todas as linhas
Provocando em cada qual, a tua culpa de me seres


Já cansado, tomado e arremessado
Para o canto vil que tens no teu regaço
Embraço eu, disperso ao acaso
Perdido nas tuas contas, nas fábulas que me inventas


Penso eu que seja, em todo o momento
Um triste fim de enredo, trapo limpo em nódoa de mar
Encrespado romance, lençol gasto do Tanto
Tanto mesmo que me contas, que me fazes e tornas


Revolve mais uma vez, em verso que flúi
Entre seivas, salivas e poções
Gotas que me dás à boca, na língua que te espera
Circunda, continua, volta a mim

sexta-feira, 20 de abril de 2007

Talvez Volte

Não seria de esperar que me abraçasses. A minha ausência, sem comparação que haja, foi longa e desajustada, para ti apenas. Voltei. Já nada mais tinha a ver pelo outro lado. Tudo fiz e nada trouxe, felizmente assim foi.

Os pesadelos, certos ao longo da vida, exercem um peso determinante na mente. A influência que me ofereceste, a luz negra que me deste, ao invés das promessas que não são mais que isso.
Foi como peça chave num talismã. A chave de todo um complexo movimento mecânico de relojoaria. É o desacerto do coração, sentimento este que é profuso em soluços de mau estar.

Nada falha, a não ser o “eu sou” consciente. Nada mais erra senão “o meu nome é”.
Por mais estranheza que aparente o desconhecido, mais estranho é acordar por dentro deste ser misterioso e quase desconhecido. Adormeço e acordo no mesmo ser, no mesmo corpo partilhado.

Sem que duvide da minha clareza, ou questionando a própria lucidez, sei muito bem quem sou, tanto que julgo não conhecer o outro que “sou eu”.

Fui longe demais, talvez tenhas razão. Perdi-me porque me queria achar. Cavei buracos que desejava tapar. Voltarei para onde não desejo ir, e com isto, haverá um despego de onde não quero sair. Nega-se. Obriga-se. Verga-se ou morre-se.

Sejamos claros, não sei que nome tenho. O estranho das sombras que me habita, o outro que tanto reluz ao sol.

A titulo figurativo, a relação que se toma entre o vazio e o concreto, nada mais existe em que possa transcrever toda a minha noção de viver. Vivo enquanto espero. Vivo enquanto sei o que faço.

Dadas as circunstâncias, mais além, ficam todos os momentos que classifiquei de inconscientes. Não serei capaz de transcrever toda a noção que possa ter do real, pois é... algo. Assim como o amor, algo é.

Suspiro, sem ter a intransigente vontade de manipular a minha respiração. Sinto-me, para mais de tudo o que sinto. Sinto-me. A singularidade de tudo o que me possa arrancar, de toda a pele, a leveza que aspiro a atingir. Saber-me tomar, como medicamento, em doses saudáveis e regradas.
Serei eu coisas pequenas, tão diminutas e simples que são, tornando-me talvez em algo maior.

terça-feira, 10 de abril de 2007

Foste

Bate a hora, apressada, disfarçada em manto que esconde o tempo que não se quer esperar.

- Espera-me. Não corras. Ouve-me por um instante.

- Não posso. Não quero ouvir-te. Tenho pressa de chegar.

- Não vás! O caminho atraiçoa. Não vês? Ouve-me, não queiras seguir o mais óbvio.

- Mentes. Toda a tua linha de discurso é um rol de certezas que me incomodam. Não maltrates quem sou, com a tua inabalável e irritante má disposição.

- A minha razão, seja qual for, é diluída em qualquer teor de discurso. Volátil, és como álcool na minha ferida exposta ao sol. Só queria que te guiasses por mim uma única vez.

- Não! A minha pressa é forte e espessa. Tamanha vontade de fugir, de mim. Necessito de desaparecer.

Espesso, disseste. Clamaste em tom monocórdico, a decisão há muito pensada. Espesso, como sangue que arrefece, na chapa contorcida, espalhada pela estrada.
Forte, confinaste todos os teus sonhos ao que eram, apenas sonhos. Pendurados por um pequeno fio de seiva, no abismo que existia em ti.

Forte. Demais para sobreviver. O choque.

Despedaça-se ao critério do embate, o corpo que sai de outro. A alma que descola da pele.

Contornos, estes que adornam agora as minhas tábuas. São condados, na importância que lhes dei, os meus sonhos e aspirações. Os instantes em que pensei, seguir as tuas marcas no chão. Invejei-te todos os dias.

- Não me sigas, nem me aguardes. Vou. Apenas vou.

Toma-te essa sede de forma tão violenta. Nem recordas quem és, e que no fundo, tens tudo guardado, em caixa de fundo falso. Escondido, dissimulado nos medos, no próprio medo de me ouvires.

Jazido, no escuro impar do oceano. Tenho o meu nome pensado, guardado na mala.
Recordo-te enquanto sigo para bem longe.
Tão longe, para além de tudo, até de mim. Distante, contando cada linha do tracejado da estrada, até me reencontrar no ponto de partida.

De novo, sem que esperasse, hesitaste tanto na hora. Demorada, por todas as pequenas coisas que julgamos não terem importância. Partiste quando escolheste. Tanta fúria me ofereceste, ofendida por te querer cobrar um minuto de atenção.

- Então vai. Força! Vai!

- E vou mesmo!


E foste. Para sempre.

quinta-feira, 5 de abril de 2007

Folha, seiva e vida

Estou molhado. Encharcado de tanto molhar as folhas. Os seus cantos, de encantos espantos. Tamanhos feitos, ali clamados em versos, até bem maiores que os próprios autores descritos. As folhas, essas celulósicas amantes, minhas, de todos os mais que as amam, amaram como eu.

Entendo, sim pois, claro é, como a maior das clarividentes verdades, tais como o céu que tudo sustenta. Oh, o ritmo que se instala, e mais, enquanto escrevo, o meu corpo contorce ao ritmo da música.

É verdade, sinto-me encharcado. Até a estes ossos que me suportam. É chuva, impiedosa, que nos deixa em visão de cortina opaca.

Sabe a melodia ser mais generosa, em mãos incertas, em gesto firme e conciso. Tanta linha que termina na mesma margem imaginária da folha, como areal descrito num conto. Contido na imaginação, perene de quem sente a dureza da batuta, do ser pensante que quer ser primário. Irrequieta alma que me amaldiçoa. Sondando lugares mais escuros que a própria sombra, sonhando, morrendo na quietude da fechada lombada, endurecida no tempo.

Fez-se o artífice em mil lágrimas, em devoção pela sua causa, dedicado em horas, à luz do que as suas mãos criaram. Escreveu o poeta, à mesma luz, na constante censura que o calou. Tanta vez pensei em lamber a tinta azul, castrante, da força que me cala. Servir-me do sangue, para escrever amores que nunca vislumbrei, por tudo o que sou.

Estampo-me como selo de carta, marca de água em papel oficioso. Cheira-me a estranha lavanda, arrumada em saquetas, mesmo por baixo dos manuscritos esquecidos na gaveta dos sonhos pensados. Não foi mais longe que a vontade do papel. Este papel… este papel que tanto amo. Respira-me. Lê-me em toda a sua atenção de secar cada letra. Consinto um eterno amor, bem mais que etéreo sentimentalismo à flor madura da pele. Deitado, desnudado, convencido que não haverá lugar melhor que este. Continuarei a existir, até que acabe a folha.

Estou molhado. Sem saudade da secura a que a espera me submeteu. Abri-me em fissuras, gretas que nem sabia como sarar. Estéreis melodias que tanto trauteei sem sentido. A fome contrastante com o campo. O campo com os meus olhos. Os olhos com o que não vejo. Escondo o receio da chuva, em palavras ao acaso, pouco pensadas. Move-se um pouco mais para a esquerda, esse lado bom de sentir. Agradado, o sol despontado na beleza oferecida por melhores mãos. Finos dedos, calcando a lisa pele, manchada por gotículas perfumadas. Regozijo em harmonia com o reflexo, na fonte, nessa que me cria.

Acabando, sem pressa de correr para o fim, apago a vela que me deu forma. Adormeço no leito de mais ser.

segunda-feira, 2 de abril de 2007

Mais!

O passo que se dá, atrás da porta, sem que veja os teus pés molhados, deliciosos. Saltitas de azulejo em azulejo, pé ante pé. Apenas deixas pegadas nos brancos, os negros provocam-te um arrepio na nuca.

Após o duche, a pele molhada clama por um corpo seco e quente. A minha deixa será apertar-te, esperando-te no local do costume, mesmo atrás da porta. Assim que atravessas a fronteira, as mãos secas cercam os teus ombros nus. Despida humidade do matinal desejo em te ter.

Arde-me o desejo, a saliva que me invade a boca, por te beijar, mas em seco engulo, na exacta altura em que te beijo.

Mais!


Aperto-te, de contra a parede. Comprimo. Provo o teu cabelo molhado. Mordo. Solta-se um pequeno bramido, latida contida nos laivos de desespero. É desejo. É paixão.

Travos amargos, unhas que marcam, pele contida na outra. Calor que inibe calor. Provoca-se suor. O movimento, periclitante, em que te seguras à ombreia da porta. Dilui-se o movimento, pausado, desvanecendo, extasiando, até ao fim.

Atrás da porta, sempre a mesma em que espero por ti. Impaciente, consciente, feliz por saber que te espero.

quarta-feira, 28 de março de 2007

Espinho meu, espinho teu

Espinho meu, espinho meu
que me picas em ardor que não vejo
tanto sabor, guardado no copo
rasgo o tecido, na roupa que guardas

Teu cálice tomo por sagrado
liquido que me tolhe a fala
entorpecida escrita por desejo
espinho bravo, em botão de rosa

No abraço que tens
igual ao que se oferece
já nem me lembro de esquecer
tudo o que nem fui

Bradada será a voz da agrura
desbotada ao tempo que a fez
na minha tez, a secura de não beber
espesso sangue, tinta de viver

Espanto meu, que nem palavras bastam
espelho meu, espelho meu
espinho sou eu, e nem vejo quem sou
porque já não vou, fico-me no beber

Abraçar, liquefeito é o sentido
das palavras enegrecidas na vontade
espinho meu, espinho meu
sem rosto que tenho no fundo do copo

Soluço desfeito, à tua fonte desço
em espera dissoluta, absoluta envoltura
as curvas que inventas, na visão espinhosa
de tanto beber-te, nem veneno me vale

Assobio, rodopiando nas garras do sentimento
chega-me em bom tempo, com perfume em frescura
será chamar-te em tão bom nome, tecer-te
a teia, ladainhas de amor, brancura que me purga

Espinho meu, espinho meu
flor que te colho, espetando no coração
a dor de te amar, vestir-me de ti
espinho meu, crava-me em mais doer.

sábado, 24 de março de 2007

Sim!



Quero olhar-te
Ver-te mais além do que vejo
Sem que te veja na ausência
Sem que me veja sem ti

Olhar-te, talvez ver-te
Sem horizonte que limite
Sem tirar-te de onde estás
Olho-te nos olhos que me deste

Olhos nos olhos
Ombro teu, encosta no meu
E vermos todo um mundo
Toda uma vida a ser vista

Mirar-te, rever como me olhas
Conservar a visão de te encontrar
Entre a ternura do teu olhar
E no meu, amar-te.

E és linda…




imagem: Marco Neves
http://lampadamervelha.livejournal.com

quinta-feira, 15 de março de 2007

Então começa assim...

Fracturei ossos e dentes, em acidente pensados, premeditados. Provoquei danos, distúrbios, hordas sem nome, com uma nova mensagem nas mentes formatadas. Deformei espelhos e paixões, alterados na minha visão facciosa. Bebi tonéis de más intenções. Indefesas alminhas dançantes, sem dar possibilidade a uma consciência pura, que só por uma única vez me tomou a acção, a primeira.

Fui planeta mais que longínquo, sem nome, sem ter sido catalogado por um idiota qualquer. Quis ser estrada, interminável, no deserto que se vive em aprazível dia de desolação. Fui assim, secura de tempo, terra estéril, penedo isolado. Salgado fui eu, em sabor tão intenso, que amargava todas as línguas que me falassem.

Tanto fui que nem vilão sou mais. Fui até bom rapaz, paciente e observador. Hoje embebedo-me por ser feliz na minha razão, aquela que habita num maluquinho de rua. Pois bem, que mais poderei inventar aqui dentro, nesta cabeça que não sabe parar.

Oh, amor que não vês, sente a própria cegueira no caminho a percorrer. Oh, sangue que nada estanca, talvez a boca que me foge para o lado mais incerto, seja a resposta para a despida alma, da mesma forma como giz em parede rugosa.

Fundei um pais, mundo oculto, cultivado a meu prazer. Fiz sementeiras, nestes dedos que me escrevem a cada linha, completo-me aqui. O Mal, todo o que vive para além de mim, provoca-me a ânsia de nada mais saber. Sem querer, as pessoas enojam-me... e mais... e muito mais. Vou correr, nu, disposto a não parar. Derreto milhas, excomungo os meus princípios, os mesmos que se enrolam aos pés e me fazem cair. Vá, vou comportar-me, a aparência que se constrói, a estátua oca e carcomida, com direito a hino pessoal. A consternação em desacerto, desconsertado, foragido da lei vigente.

Não sei falar de mim, sem que aperte os dedos conta o pescoço. Sei-me tão bem que poderia fechar os olhos e continuar a falar de nada. Nada me supera, nem espero o que se espera. Nada é mais importante que os lugares onde já não estou. Não canto, nem descanso. Não vou dar mão de mim.

Minto, minto muito. É feio. Ai, que malandrice pegada, que bom! Vou continuar a limar fora das arestas, tornar-me mais anguloso. Tão cortante serei, até que mate o vento por completo.

Cuspo para o chão, sem pudor pela bucólica tarde. Obscuro, irei a encontros na mata, amante de mil amantes, sou eu todos e todas. Serei surdo para a melhor melodia, sem melhoras da febre que me faz viver. Afogar-me no ar que respire, inventar mais doenças para o Bem. A felicidade é vaga maré, finita. Morre onde começa a terra, morre na praia.

Arder, é bom ser-se comburente quando o combustível é escrever. Insónia, é melhor quando a seguir se sabe que não haverá tempo para dormir.

Quero droga. Quero mais do mesmo. Ser servido por subserviente desejo, de me encerrar no mais másculo pensamento. Ser invencível, o melhor, o bom que existe. Um chuto no vazio, no dia que já mostra cara do que será. Tomarei vinte e quatro, horas que são minutos de pensar no mesmo. É terrível articular-me sempre no mesmo sentido, o que não vem nos relógios. É difícil vestir a pele que tenho por dentro, roupa insuficiente para tapar o mínimo necessário.

Espero à esquina, pelo cliente que sou de mim, desejoso em lacunas sentimentais. Deteriorar-me na entrega, em troca de umas moedas. Olho-me nos olhos, faço-o comigo. Com força. Dói-me. Rasga-me. De tudo o que fica naquela cama, uma beata mal fumada, jaz no ventre criador de mim. Corto-me em finos fiapos, pesado a ouro, tingido a negro.

Voltarei para casa, deitando-me ao meu lado, no silêncio do que já não me une. Escondo o perfume barato, o suor que evapora a união das minhas faces. Nem uma palavra, nada do que já esteja gasto. Costas com costas, estas que tenho, para quem sou. Ao acordar, fintando-me ao espelho, direi novamente...
- Puta, sou tão deliciosa. Que horror!

terça-feira, 13 de março de 2007

Ar De Cor

Brilhante, reluzente e saborosa
Estica a tua língua para a minha boca
Lambe tudo o que sou, sorve com delicadeza
O corpo que tenho, a carne que te dou

Fodo a preceito, porque tanto quero foder-te
Foder é gozar, a soldo, a gosto e com jeito
Deitado e em riste, sem ligar ao feitio
Fodendo te fodo, dentro de ti correndo bem solto

Digo foder, porque amar é comer-te
De me vir dentro e fora de ti
Fodo-te, fodendo-me em palavra barata
E quando me fodes, enquanto fodes quem sou

Como da tua carne, sendo a minha alimento
Mais há para te foder, que a foda de ser
Injectando no teu ventre toda a viril vontade
Tesão em cordões de semente, que te preenchem a rodos

Fodo, em foda que é fazê-lo contigo
Esta que tanto fazemos, até morrer em castigo
No cigarro que se acende, na droga que se inala
Fodemos mais um pouco, fodendo quem somos

A tua excitação, na tua flor rubra e inchada
Libertas hormonas que mordo no ar
Crava-me incisivos na pele, as unhas no corpo
Cavernoso, esponjoso, tanto quanto fodes e te vens

É como seres ópio na boca e eu levar-te o cachimbo
Seres vitória e derrota, no êxtase de morrer em ti
Fodo-te à pressa, tendo tempo demais à espera
Querendo mais foder que propriamente foder-te

Expelir-me em espasmos, sôfrego engasgo de tusa
Depressa, com força, quero mais, fode-me mulher
Sou homem que vês, quero foder o que tens
Foder-te no fim, sem princípio que comece
.

quarta-feira, 7 de março de 2007

Sem nome

Deixei entrar o pecado, por onde custa mais a sarar. A voz que obriguei a calar, embalada no meu próprio sono. Tento reatar o esquecimento à lembrança. Talvez até seja demasiado tarde, daqui a nada já eu próprio nem sou, e pouco ou nada evolui. Foi erro consumado, querer reinventar uma perda, daquele género que não se tem, de tanto querer que chega a doer, quando se atinge.

Seria um acto, um erro imperdoável, impróprio de quem quer ser mais do que realmente é, eu não sou. Redesenho em todo o papel, um outro cenário de morte, mesmo que não termine aqui, mas aqui termino. Seria demasiada, a sorte, afortunado serão em que todo o céu se torna num tormento somente, o meu.

Na obscuridade criada para mim, todo o meu conceito de vida fica em causa. O meu estado critico, tanta vez confinado à exígua vivência, em nada me resolvo, e por tudo me desfaço.

Acredita-se, em crença de quem mais quer, mais que Céu e Inferno, abstém-se de tudo mais, até de essência. Com tudo isto, sinto-me lasso na própria amarra. Talvez porque insista no erro de querer saber mais. Tudo, assim como nada, são unos na minha constante revolta, nas chamas que não me conformam.

Saberia melhor viver, sem ter a consciência que me tolda toda a pertinência, moldada ao feitio de antigo artesão. Como a mudança assiste à necessidade, sinto-me demasiado convencional, por saber que na verdade, tudo não passa de uma realidade inventada.

Invejo a simplicidade, toda a que tento copiar para mim. Os meus cães que se deitam ao sol, e o máximo que os consigo acompanhar, é fumar um cigarro ao lado dos seus corpos, quentes e sedosos.

A vida é trama engrenada, sem veios nem roscas. Não se trocam peças, muito menos papéis. Todo o qual renunciei, agora vivo-o na melhor forma que sei e conheço aparentemente. Mesmo que me mate aos poucos, como no cigarro que fumo, inalando todo o seu mal, o bem que me faz. Perderei anos a fio, de juízo enganador, pois não sou mais que eu mesmo, este que termina aqui.

Talvez me limite a não mais pensar, sem querer saber o que há para além da vistosa cortina. O espírito, assim desta única forma que sei, acusa o desgaste. Por vezes chego a estar tão farto de mim, de me ouvir e sentir a pensar. Por vezes pergunto-me para que serve tudo isto.

Para tudo há um limite, até mesmo para a nudez da alma. Como poderia desnudar-me e mergulhar num lago de farpas, se nem direito à dignidade existe. Dificultam-me a respiração, e sem rumo, fraquejo sem alcançar a praia. Do novo sabor que a vida me traz, na minha boca transporto sensação que me obrigo a esquecer. Assim não quer o destino, e forçado sou, a comer sem querer engolir. Basta-me o serão, olhando complacente, para as despidas paredes de recordações.

Atiço o lume, perco-me na chama que ilumina o resto que mostro. Os momentos inadiáveis, marcadores do caminho a seguir, são riscos que provoco na pele, pela caneta que não escreve. De toda a solidão que necessito, cuido a minha espera, no muro limitativo do espírito. Assim como qualquer outro ser, emergindo da necessidade de necessitar, o melhor que existe em mim, é já nada haver para contar.

Há um sentimento que nasce comigo. Eu nasço com o dia, e perdido na manhã que me cega, poderia engolir toda a névoa, e mesmo assim continuar perdido em campo aberto.

Aberto está o meu peito, sem chagas, apenas na voz que chama. Poderia pensar-te mais um pouco, mas farto já estou de te inventar. Sem ser aqui, preciso de ti.

sexta-feira, 2 de março de 2007

Azul

A cor fatal, destinada a impregnar-me os sentidos, resultou num fracasso bem redondo e pesado. Pensei eu, na minha bondade, talvez seja resultado de uma má mistura de componentes. O Azul, triste e frustrado por não mais me alegrar, convencia-se em enfadonho degrade, que nada mais valeria pintar.

Era um rubro desejo de vingança. A maldita nuvem que me impede de brilhar. Azul, onde já não estás, nem vive o tom que me alegrava. Azul, porque sempre foste azul, e eu nem sei de que cor te pintas agora.

Segreda-se, aos soluços de cada voz, num esconderijo do coração, confissões e conspirações de paletas. Azul, diz-me que o mar te pertence, que o céu vive e morre em ti. Por esta cor, nada mais me interessa escrever, mesmo que escreva no papel a negro retinto.

Encomendo, à tua responsabilidade, a cor do olhar de quem me sabe ver. Ao sol ordenei o seu sorriso, tamanho de uma alegria de criança. Azul, diz-me que sou tão parecido a ti, mesmo que os meus olhos espelhem a terra. Não são enganos, nem prantos que me servem de capote. De azul tingido, o lago, até onde tudo termina, mesmo que o mundo tenha mais voltas a dar.

No seu encalço, retomando um caminho quase esquecido perdido, sigo em leve passo, querendo atingir o cerúleo, daquele sem nome. Mais que universal, marcando sem pressa de tempo, a hora de um beijo repartido.

Azul, que não desbote em mágoa, nem manche o lençol sem mácula. Marca-me antes em destino que te sou. Naufragar no mergulho lento em ti, sorridente, tendo presente na memória, tudo o que me resta de ti, azul.