Ela não entrava nas suas contas, nas manhas e projectos de malvadez. Seria um empecilho, um tiro no escuro, algo que se esconde dos outros. Mantida em segredo, mesmo sem haver algo a revelar, o segredo como um preciosismo de um coração de pano, controlado por um conjunto de cordas amargas.
Absorve o momento, não esquecendo de gemer, da fome a saudade, do cheiro a menina guardada à pressa no baú. Não há diluente que dissolva as nódoas, nem tempo que leve as mágoas. Somente no enjeito de quem ainda acredita na esperança, sabe ela fazer-lhe a espera à porta, numa tão mais rendida pausa de entrega.
O amor acontece, por vezes colérico, abrupto e de chofre. No gancho que lhe prende o cabelo, a sua pele desnuda de luz, sem brilho. O seu rosto esquecido na voz grave que lhe estala aos ouvidos, ele tinha-a em “Amor de tanto te querer, eu mato-te!”. No fim do dia, quando já nem o corpo carrega a alma, reconforta-a num toque passageiro, sem aduaneiros gestos de quem gosta e deseja passar a fronteira a monte.
Sem a mesura de um sorriso, flor agreste de cheiro a esteva, compele-a no beijo, na voz, nos gestos forçados, na ausência de outros. É uma morte anunciada, capitulando o seu mais querer ao infortúnio de um homem náufrago de si mesmo. Escarchado, rosto cinzelado na rudeza de só saber de si. O amor acontece, por vezes no hálito de aguardente, entre dentes cerrados e olhos de sangue.
Ela não passava de um engano, nas teias de um armário mal resolvido, de uma desarrumação esquecida ao canto da vida já tardia. Seria uma sereia raptada dos mares, acompanhada apenas nas vagas do pêndulo do relógio de parede. Sem sal, com o pó de quem dança por dentro, no ainda palpitar que lembra uma jovem menina de cabelos ruivos.
Despedaça-se o coração, queimado na negritude das suas mãos, o toque feito lancinante, porque o amor acontece assim. Não há distância que quebre a vontade, nem memória que a traga de novo a si. A vida esquece-se dele, a lembrança colada ao olhar no vazio, entre os primeiros tons de cinzento outonal, até ao infinito de a querer refém na memória. Apenas porque o amor acontece.
13 comentários:
Pois acontece, e estas histórias chocam-me.
Mata-me!
:)*
Fascinante entrar numa mente onde a personagem tem estas nuances... adorei! ;)
Beijo
Pois acontece, seria interessante de deixassem fluir,não colocando sinais de proibido.
Confuso?
Nã....
Existem 'apenas' extra|Ordinários.
Como os cabelos ruivos. Cor de fogueira. No mato.
Fogueiras de sal.
O amor não é fodido.
As pessoas é que tendem a foder sem amor.
Apenas... quando o amor não acontece.
Lancimantes. Os toques.
Feitos assim.
De coração.
Out|Gancho
In|Gancho
hálitos In|Ganchados.
Aconteceu, sim... e eu ainda te mato todas as noites antes de me adormecer em ti...
Bom, os teus posts deixam-me sem palavras pela forma incrível e apaixonante como escreves...!
E, neste caso, o ficar sem palavras é bom :)
Beijinho
Bom, os teus posts deixam-me sem palavras pela forma incrível e apaixonante como escreves...!
E, neste caso, o ficar sem palavras é bom :)
Beijinho
A isto é que se chama um Grande Texto. O tom, para o Patife, é quase tudo. Maravilha de tom narrativo este. ;)
ai credo que susto. a sério assustei-me com a lâmpada mervelha.
muito bem escrito, gostei.
nao sei porquê^w, mas o amor acontecer entre o cheiro de aguardente arrepiei-me. Eu até gosto d aguardente mas o hálito...
BFSemana
porra, isto está a modos que Perfeito com P grande
"Não há diluente que dissolva as nódoas, nem tempo que leve as mágoas." Assim como assim aprende-se a viver.
Já tinha saudades de vir aqui ler algo que deixa qualquer um de boca aberta. =)
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