Sente, uma breve memória resgatada ao acaso, em contramão pelos desígnios da mente, consegue embater com violência no teu rosto. São trezentos e sessenta e cinco dias, uns sobre outros, sem regresso, sem algo que os ligue. Dançando no arame, por um fio, malabarista de falso sorriso. Descrê-se que tudo passe e, quando nada mais se encontra, resiste-se à tentação de condensar o tempo em simples anos.
Revertendo um coração com dois pólos, a sós, quando a amargura nos sabe a frutose. Manancial de dúvidas e incertas manhãs. Cerra a boca este absurdo silêncio do grito, desvelo pelo que me consome e também de outros afins. Porque não se verga, como vereda à vontade do canavial. Porque não se dilui, como aguarela viva em água turva. Porque não se absorve, como faziam as tuas lágrimas em mim.
Sente, uma breve memória tua poderia resgatar-me sem ser ao acaso. Se todas as contrições e linhas a que nos oferecemos, fossem outras que não as nossas. São setecentos e trinta dias empilhados a muito. Aqui, ali, para além de todos os beijos tramados. Deixas-me este legado, segredar-te na estranha forma de não te reconhecer nos outros.
Esventrando a imagem da mulher que deixaste em mim, quando tu nem existes. Falava a boca, antes em beijos, depois em cortejos. Porque definho, como quem não sabe o nome para isto. Porque o lamento é uma ofensa. Porque tocar-te seria morrer em paz com o mundo.
Sente, se um dia nunca te tivesse inventado, hoje não seria eu a escrever-te. Só assim sei distender-me até ao fim do teu horizonte, sem perder a noção de mais que três mil seiscentos e cinquenta formas de te criar sob a minha pele. Tu sobre mim, justapostos, de atravessado, desalinhados nos enfeites de coisas nossas.
Desvanecendo qualquer manhã, condenando-a ao fracasso. Apenas porque unos, tanto mais seríamos, meu amor.
15 comentários:
Tanto mais seríamos...
sem dúvida...
Profundo...
de dentro
do fundo...
Adoro ler-te assim...
à transparência.
PS: Ganda música! :)
Do fundo do veludo...
Bé|jo-te*
:) muito lindo
Misto de serenidade com vontade.
Madrugada submersa. Desejos.
[dese]quilíbrio.
Narrador de si próprio. É?
Marco. *
"Porque não se dilui, como aguarela viva em água turva. Porque não se absorve, como faziam as tuas lágrimas em mim."
Valeu a pena a espera, valia a pena mais trezentos e sessenta e cinco dias de árdua espera... toda a espera valia.
Muito bom!!
Só sendo tu a inventá-la a podes conhecer bem e discorrer sobre cada bocadinho, dentro e fora... Porque as pessoas reais, mesmo aquelas que conhecemos, ou por outra, que achamos que conhecemos por dentro e por fora, acabam sempre por nos surpreender e muitas vezes, pela negativa.
É um prazer ler-te (:
Antes de mais um sincero obrigada por tão belo elogio.
Vejo letras de classe. E quanto aos primeiros parágrafos concordo, as vezes os anos passam assim: 365 sobre 365 dias, sem nos deixar muito para dizer e sorrir
Sente, uma breve memória tua poderia resgatar-me sem ser ao acaso.
Dançando no arame, por um fio, malabarista de falso sorriso.
Deixas-me este legado, segredar-te na estranha forma de não te reconhecer nos outros.
Porque tocar-te seria morrer em paz com o mundo.
saudade... :)
http://www.youtube.com/watch?v=mmlhCC2VAXo
*
As melhores coisas da vida são aquelas que nos trazem aquela forma de energia que não sabemos expressar.
E eu não sei expressar a energia das tuas palavras.
Tão lindo, Marco.
Tu e as palavras. O resto é contexto.
Beijo.
obrigada pela sugestao. adorei. tens mais?
Bom fim de semana.
http://www.youtube.com/watch?v=ghPcYqn0p4Y&feature=fvst
beijo*
Ó heroísmo, de carne e osso, leva-nos as poupanças e os móveis, a outra, a de Lou Reed, também. bfds
:)Gosto muito da música (e das palavras)
Enviar um comentário