Sobra-me tempo que a ti te falha.
Todas as horas nas marés que não o foram. Distendidos os anos,
deformando o que se quis criar no corpo. Sobra-me espaço naquele que
te falta. Na luz, na sombra, em todas as linhas que nunca serão
suficientes, o quanto baste, porque não existe uma forma suficiente
e perfeita de te dizer, de todo, inexistente.
Sobra-me
carne, nos ossos que te compõem. Não é um vazio num lugar comum ou
um arrepio ao leve toque. Sobra-me no corpo, vetusto colosso
entorpecido, a menor das partículas para te recriar desde o pó.
Sobra-me o caos, no repouso que te habita. Permitir o corpo ao
atropelo, à torrente da deriva, até que, exaurido, morre pela alma. Sobra-me na saliva o teu nome, que em ti já sequer
existo.
Sobra-me
tanto, e tanto de mim que ficou. Tu, por inteiro me faltas. Sobra-me
nos olhos o rio, que nos teus já não finda. Saber-te eterna, mesmo
na noção de nem eternos sermos. Sobra-me a perda, que em ti todo o
tempo parou. Desassossego errático, involuntário, no corpo em
falta, no espectro em sobra. No silêncio, queda um ténue ruído,
persistente, na esperança que me ligues a dizer que, por fim,
chegaste bem.