
É neste delírio nocturno que me excita uma doçura de inferno. Sempre que passo por ti sinto o teu cheiro. És fêmea, carne de mulher, explosão de sentir. No teu toque apaixono-me, sabendo que no teu calor me queimo. Olha-me nos olhos e beija-me numa passagem intensa por este túnel de luz.
Descia eu por entre nuvens e sonhos, amarrei longas asas nestas costas que carregam todo este meu mundo. É interessante saber que a luz e o palco são meus. Bate palmas, sozinha, para mim.
Fecho-me no camarim. Suspiro. Perco-me no reflexo do espelho, permito-me a ser um pouco narcisista. Envelheço. Vaidade que me conforta, sou belo aqui na minha solidão. As luzes quentes aquecem-me o rosto. Falo de mim, para mim, sem ser eu que oiço… qualquer coisa assim. Paro, suspiro novamente. Assaltas-me a memória constantemente, violas o melhor do meu íntimo. Os teus lábios cercam-me em pensamentos. Sinto tamanho desejo, tomo medo e reconstruo muralhas antigas. De tanto desejo torno-me frio, metódico e manipulador do sentir. Sou propriedade e proprietário desta longa, pesada e complexa máquina de fazer viver. Abraço-te em pensamento, entrego-me e escondo-me. Desapareço por entre brumas neste respirar de antepassados.
Continuo a afundar-me frente ao espelho, bem dentro de mim. O suor que me escorre pelo rosto, os teus dedos que me apertam, asfixiam-me de prazer. Este gozo entre a verde e virgem folhagem, cheiras a terra. Afago os teus cabelos, raízes de fogo, provando, trocando venenos. Quero-te deixar para poder voltar novamente. Quero-te matar para que em futuras danças renasças mais uma vez em mim.
Visto-me, apago as luzes e saio pela porta principal. Apetece-me consumir coisas triviais. Troco um olhar com uma desconhecida, sorri. Acendo um cigarro e caminho pelo passeio. Tento pisar todas as poças de água, é giro.
Sinto-me bem.