Penso logo, existo depois. Começo pelo início, sem termos ou fim. Supostamente tudo deveria começar assim, aqui, daqui para lá. Nas margens, sem apelo de desvios, deveria concentrar-me de planificar algo. Nem mais, como caminhar pela calçada molhada, nem mais. Este tremendo vazio a que agora concedo o flanco. Neste instante, onde o princípio já não está mas o presente impera, o sabor que me resta na boca, é um nada concedido a algo que não me lembro o nome. Minto. Minto tão mal.
Traduzir o tempo em algo mais, na tentativa de saber extrapolar o odor que possui um sentimento. A aparente falta de uma razão para aqui estar, sem a mesma fazer sentido, esta estranheza do me ter entre mãos. Os condimentos e demais especiarias do coração, diria até da alma, se tudo não me soasse ao abandono pretensioso da realidade. E minto. Continuo a mentir tão mal.
Quero-me. Tão bem que me quero. Entre ossos. Entre ser e ter. Entretido. Penso, mais logo acabo. Se existo, desde um início, na finalidade de um termo, perco-me. Vale-me habitar na intenção que dou a cada palavra, porque a mim, fazem-me na diferença. Onde as vejo, na voz quente de alguém que chama, na doce palavra embebida, expelida na exactidão onde a língua termina. Finda tudo o que é volátil à voz, aos olhos, aos ouvidos. A palavra decalca. Arrepia. Exsuda. Condensa. Comprime. Exala. Enaltece. Provoca. E também esquece. A pele.
Deveria existir um corpo, algo por preencher. Até ao limite. O fim de um princípio, na continuidade das linhas, como do corpo, desvio ante desvio, sem pressa de chegar. A prosa contida num milímetro de pele, no sabor que tenho na boca. Alimentado a memórias, e mesmo essas, esvaídas que estão, neste pensar sem depois saber o que resta após o ponto final. Minto. É apenas uma sombra de mim, o desejo.