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sábado, 7 de outubro de 2006

Soft Lithium

Neste mar vermelho de fé incauta, no escarlate que tenho em mim. Por muito cedo que acordasse para o tempo, nem ferro tinha para ecoar, no mais fundo da caverna.

Bigorna sobre bigorna, sangue quente que ferve no aço. Forjas a tua máscara, tingida de mim. Vamos, quero ver-te caçar.

Poderia ser corja, pua cravada na tua pele. Diamante lapidado às cegas, na tua coroa de espinhos. Porque não atracar numa inconstância terrena. Embarcar numa jangada, formada pelas nossas mãos.


Diagnosticas-me uma demência. Latente, exuberante, cristalina. Classificado, rotulado. Posteriormente cadastrado numa interminável lista. Dás-me uma senha. Atirado sem qualquer aviso prévio, para esta fila que nem sei para que serve.

Reflexo de mim, são linhas soltas. Pontas desleixadas como o meu cabelo ao acordar. Confusão, organização sem critério, livre. Preparas-me para o almoço, de camisa lavada e dentro das calças. Detestável. Puxo de um cigarro à tua frente, sentado à mesa. Desafio-te. Confronto desmedido, presunçoso, água benta à descrição. Partilhamos o sol, a brisa fresca de Outono, a conta do almoço. Vou regar-me com mais um pouco de vinho.

Confesso os meus pecados na tua inestimável presença. Dilacero-me em mil aspirações, nesta veia de escrever. Apraz-me, realiza-me… e tanto que gasto de mim. Mas não deixarei, nem um pouco que seja para o Apagão Geral, o tanas!


Vamos em competição, calçada abaixo. Abanas as ancas. Contraponho de nariz empinado e de movimentos roliços. Praticamente em processo finalizado, embalado e pronto a seguir caminho, critico-te por me mandares o borrão do cigarro para cima.

A porta fecha-se. Decisiva, felídea, faminta, desafio de luva branca em riste. Arriscado, ousado, determinado em sair da minha própria pele. Vejo em ti um vício, um risco de cocaína, desde a tua boca, ao umbigo.


Desmultiplica-se a mente em tantas faces que vivem em mim. Tantas que por vezes fico sem saber quem sou, na altura em que se transformam em ilhas. Isoladas, bem aqui dentro. Vês? Entretenho-me em desmantelar-me. Reciclo, taxado com o ecovalor, estereotipo não poluente. Certifico-me de não me esquecer de me esquecer.


Porque tenho de tomar esta vacina, se nem sei para que serve. Obrigas-me, mais uma vez a escrever. Amordaçado, preso, acorrentado. Incomoda-me o parco espaço que me possibilitas em ti. Não há condições. Não caibo dentro de mim mesmo. Congela, desenforma, deforma, retoma, conforma, adjectiva, congratula, impede, consola, verbaliza, encoraja, ancora, cataplana de marisco para dois, por favor. Indiferente, autista, perdido, entregue na morada errada. Insano, porque gosto.


Toma-me como uma ameaça. Alvo, inimigo, único. Catalogado e entregue à autoridade competente. Porque me causa impressão, até a própria caneta dispor de código de barras. Impressionado, inesgotável, incansável, inigualável, intangível, mas nem por isso alienável.


Tudo porque resolvi parar, frente de um espelho por mais de dez minutos. Tu, que me olhas desse lado, sem ser este que vive em mim e tanto me martiriza, perguntas-me:

- Que tens?

Eu, naquele pedaço que ainda cabe em mim, respondo naquele tom habitual acusador, de quem parece querer esconder, no entanto acusando o crime de pensar:

- Eu? Nada!!!

Abraças, envolves, resolves, afagas, compreendes. Num beijo, com o bónus de um sorriso. Vives, respiras, consomes, partilhas, completas. Porque por vezes não me aguento, quanto mais aturar-me.


Vamos viver mais um pouquinho ali ao sol. Amanhã virá chuva. Com ela aqueles momentos, os tais. Aproveitemos ainda a secura, antes da diversão da relva molhada.
imagem: Marco Neves

10 comentários:

Anónimo disse...

E aqui já chove...

Anónimo disse...

nem tenho a certeza se gostei do que li, não no sentido de estar mal escrito, pelo contrário está bem. Mas o conteudo e interpretação fica ao critério de cada um, os teus posts são mesmo assim meu alentejano de meia tijela... de partir a cabeça. Mas sinceramente do modo como interpretei, desconfortou-me. Também, porque raio havias tu de te ralar com isso.. ? Ras parta os drunfos...

Joker disse...

"Desmultiplica-se a mente em tantas faces que vivem em mim. Tantas que por vezes fico sem saber quem sou, na altura em que se transformam em ilhas. Isoladas, bem aqui dentro. Vês? Entretenho-me em desmantelar-me. Reciclo, taxado com o ecovalor, estereotipo não poluente. Certifico-me de não me esquecer de me esquecer."

Mil vezes por dia me sinto assim!
Será doença?
Mania?
Ou apenas porque sim?

Anónimo disse...

as pessoas também dispõem de código de barras mas é invisível.

estes textos causam-me alucinações. serão cogumelos? :p

força!

A.*

Maria Brito disse...

Sempre desconfiei que a dita inércia alentejana escondia profundos pensadores... e bom vinho!

Joker disse...

ah, vim dizer que sim, desta música gosto...!

Anónimo disse...

There's someone in my head but it's not me...

Anónimo disse...

Venho aqui muitas vezes,sabes?
Mas não digo nada,apenas e só porque tenho medo de estragar...os textos são fantásticos!
Beijos

Cortez disse...

Para a primeira vez que passo por aqui confesso que fiquei com a qualidade deste post. Ainda não li os outros, vou dar uma vista de olhos. Este, está brutal.

Anónimo disse...

Absolutamente...FANTÁSTICO!!!
Adorei!
Beijos doces como tu