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terça-feira, 31 de outubro de 2006

Um Pouco De Mim

A noite desmancha-se em incontáveis gotículas. Humedecem-me a pele. Cheiro a noite, o seu escuro de segredos silenciados. Demasiado viciado no breu, tento curar-me com banhos de sol. Apenas me cegam, apenas me fazem querer voltar para aqui.

Tenho saudades de uma parte de mim. Daquela parte que gostava de ficar à chuva. Daquele lado negro brilhante, fosco quando alguém passava.

Gostava da sensação de brincar às escondidas e nunca ser descoberto. Ficava ali o resto da noite, até todos desistirem e voltarem para casa.

Lembro-me tão bem daqueles dias em que era tão feliz na minha pacata solidão. Sair de casa e sentir-me livre. Único. Feliz.

Aprende-se a gostar. Aprende-se a querer mais que gostar. Deixei de ser único neste mundinho. É como aqueles pés dentro da nossa cama. Aquele lado direito sempre ocupado… e quando não está, estranha-se.

Aprende-se demasiado de uma só vez. Ao longo de um certo tempo, digere-se pouco a pouco. O pior dos erros, pensar que não se tem garganta, que nos falta saliva para engolir. Pensar que se morre ali, naquele triste acto de viver.

Não. Há muita garganta.

Muita voz que ainda corre por aqueles caminhos que me viram crescer. Naqueles caminhos em que combati os meus primeiros demónios. Tanto que hoje sou incapaz de largar a noite. Foi entre aquelas árvores que jurei morte ao pior que havia em mim. Foi ali que enterrei uma caixa de recordações que nunca irei procurar. Não me esqueci, mas perdi-me um pouco no caminho de volta.

As coisas de que me lembro. A passagem do tempo que amansou o pêlo. Fui terrorista silencioso, o puto com as cartas nas rodas da bicicleta. Sou agora, o mesmo que compreende tanto gesto que tinha, tanto pensamento que tive. Agora sim, concordo que quase tudo segue uma ordem natural.

E quando descobri a morte? Os enterros das borboletas, entre duas caricas de refrigerante. A curiosidade que se apoderou de mim. A mesma sensação de quando enfrentava o escuro. E passo a passo fui ganhando coragem e força. Felizmente apenas no escuro. Lembrei-me de outra coisa qualquer, mais terrena.
Não tenho saudades de qualquer tempo que seja. Apenas o que deixei de mim por lá. A tamanha vontade que tenho de me (re)libertar.

Nestes momentos que nem sei bem como os classificar. Este aperto de tanto sentir o mundo. Tanto que enjoa. Desejo apenas continuar a sentir-me vivo como até hoje. Que os sorrisos me saibam da mesma forma. Que aquele perfume seja sempre assim. Mesmo que tenha trocado, já nem sei quando, os soldados de plástico pela caneta. Aquela bicicleta que ainda existe, por um bilhete que me leva até onde me sinto livre.

E isto custa-me tanto escrever, muito. Porque foi difícil chegar até aqui e sentir-me bem, feliz. Muita vez não acreditei na garganta, na própria voz de querer, no que nos faz estar aqui. Sermos uma razão, um motivo, um significado. O grito de guerra, esta que se trava, sem ser a guerra de despojos.

Que a fé nunca me abandone, mesmo que o sorriso desapareça. Que nunca confunda a noite com trevas. Que nunca deixe de existir uma caneta para mim… ou então o único motivo porque o faço… porque sinto, assim… e só assim.

domingo, 29 de outubro de 2006

Hope

Porque nem sempre se acredita...

sexta-feira, 27 de outubro de 2006

Saudade...

Dói-te à superfície de sentir. Tão longe, nesse regaço de espírito corrompido pelo tempo. Faço-te sofrer. Provoco-te momentos insanos. Talvez te ofereça mais uma insónia.

Gostas?

Meu querido, usa mais um pouco de mim. A ti, somente para ti, agora. Adoro tornar o teu brilho em melancolia. Entrar-te pela boca, inibir-te de qualquer euforia. Cego-te. Silencio-te. Possuo-te, meu bem querer.


Continuas acordado, nas minhas mãos. Acompanho-te pelo dia, hora a hora. Enveneno mais um pouco, só mais um pouco... e mais... e mais...

Liberta-te. Não sufoques. Necessito de ti vivo, quase letárgico. Nada de movimentos bruscos, sabes bem como eu gosto.

Sente-me. Isso meu querido, vem...

Amo-te tanto nestes momentos em que me gostas de sentir. Não morres na minha poção de amargura. Por vezes tão maléfica, eu sei... mas sou assim. Não faço por mal, limito-me a existir em ti.


Eu sei que gostas de me sentir, pele na pele.

Compreendes o que se passa contigo. Vives cada momento de ti numa dança constante. Eu, tua servil companheira, rodopio à tua volta. Viverás sempre na consciência, de residir eternamente em ti, esta parte que sou, enquanto durares.

Partilhamos o sentir na primeira pessoa, quando decides matar um pouco de mim. A tua fome é o meu deleite. Aceitamo-nos, compreendemo-nos. Vivemos cada parte partilhada, entre nós, bem devagar. Sei que sou especial para ti. Eu sei... sei que gostas de mim.


Eu gosto de ti...

Quando te entregas por completo e te tornas num deus, o amante. Quando geras calor, o teu suor sabe a paixão. Quando justificas a minha existência, matando-me. Quando gritas para dentro, e consomes na tempestade toda a tua força.

Cerra os punhos. Grita-me. Exalta-te, exalta-me amor. Sou tua. Mata-me! Dá todo o teu amor, tudo de ti. Entrega-te, sem medo, sem receio de sofrer. Cobiça por mais, arranja fôlego para continuares a sentir-me.


Vem, és capaz de mais...


Colo-me ao teu gesto, num de cada vez. Viajo no teu beijo. É tão bom reencontrar-me com outro pedaço de mim. Lábios que sabem o meu nome de cor, nos lábios que são meus. Transpiras a minha marca. Arranhas, mordes na pele o meu desejo. Transporta-me até à flor do teu desejo, por mais um sorriso, por mais um momento.

Viver-te-ei tão intensamente como tu a mim. Chamar-te-ei e virás ao meu encontro, sempre. O tempo que dure não importa. Cultivas-me, medes-me nas tuas palavras de saber, e tão bem que me escreves amor.
Nas tuas mãos, nessas em que me tocas ao escrever-me. Essas mesmas que tanta vez ousaram não admitir que são belas. Toca-me na vaidade, no orgulho que tens de me sentir.


Gosta-me. Gasta-me. Usa-me.

Feliz por me saberes viver. Sou feliz porque me fazes viver e existir em ti. Agora desejo que apagues um pouco de mim. Vem, sente-me... quero que continues. Não pares, por favor...

Somente um, unicamente para ti, no sabor que me ofereces de me sentir. Diz o meu nome, murmura-me. Sussurra-me na insónia que te ofereço.

Sou tua, em todo o meu nome...

...a própria...

segunda-feira, 23 de outubro de 2006

Sinónimo de Amar

Frescos traços, nas finas palavras
Nos teus cabelos trançados
Pintados a sol de Outono
Roliça, na fonte a fresca gota
Do que existe em ti

O que aparenta, parece-me e aparece
Constato, confirmo e aceito
Nesta mão leve, que levo em enlevo ao peito
Bate ritmado, pautado, entrosado

Quando te engulo, degusto todo o teu sabor
Em tonel ou dedal que seja
Sabes a ti, a mim, a frutuosa madeira
Alio-te a sabores, ruídos, a perfumes que te invento

Colo-te a imagens, rasgos de mundos, à cegueira do brilho
Nem mais tenho para dizer, falar ou escrever
Porque vivo-te aqui, ali, acolá
É uma honra trazer-te na bagagem da minha vida

Gosto de sentir a vida, o mar, a terra
Presente, no presente, a oferenda, no gesto mais profundo de nós
Sem nós, apenas a tua trança, nos dedos entrançados
No enleio, dos meus teus cabelos, no engelho de lenço, ou na tarde de chuva




O chá quente, no vapor que embacia o vidro
A gota, roliça como na fonte que te encontro
Suor, sumo, álcool ou veneno
Destilado, fermento, mosto, bagaço, quero-te em lastro

E quando desvias o olhar, deste meu terreno
E olhas para o fundo de mim, do mundo lá fora
Aqui, dentro de mim…
Das ruas que ergo, nos teus vales

Completas esta complexidade de descomplexar
Porque para sorrir há que saber como, quando, porquê
Os ensaios que não se fazem… para que tudo seja…
Assim… na maior da imperfeição, eliminar todos os erros

Rosa sem espinho, laranja sem amargar de casca
Romã sem grainha, queda sem susto, dia sem noite
Beijo sem se querer, e quando se quer, mais querer se tem
Não carece, sem carência, uma impertinência que me desperta

Desfruto do sol que me trazes, em dia aberto
Em azul celeste, em mais perfumes que te invento
Em mais cheiros te encontro, fazendo hino à repetição
Porque é tão bom mesmo, no sinónimo de te amar.

domingo, 22 de outubro de 2006

Dois parvos, um amor.


- Porque és tão parvo?

- Olha... porque te amo.

- Oh! Parvo...




imagem: Marco Neves

sexta-feira, 20 de outubro de 2006

Ontem, naquele preciso momento.

É estranha a sensação que fica em mim, quando volto costas a ti, meu abrigo. Fica tudo tão diferente. A luz que existe nos meus olhos. A cor presente em tudo e todos. O teu cheiro que desvanece a cada passo. O silêncio que separa cada palavra pensada. O relógio que rebate cada minuto. Eu vou morrendo com ele.


O absurdo da dor que teimo converter em força. O que dou de mim para continuar a estar presente. A ausência, sem ser a tua em mim. Porquê? Sou tomado de assalto, sem motivo aparente. Porquê? Gostaria de tornar a minha pele numa partitura sagrada. Talvez cosida com a minha própria teia.

Trazes-me para este momento, num quarto fechado. De tanto já ter pensado, nem o mundo basta para suportar tanto que fiz. Queria olhar-te de frente, tocar o teu rosto, com esta voz que me sai do coração. Prometer-te numa despedida em que fosse para uma batalha, que voltaria apenas por ti.


Quero sair de casa ainda de noite, com a promessa de voltar. Trepar aquela montanha maior, por saber que encontrarei mais um pouco de mim. Desafiar a minha morte, porque apenas o mais audaz enfrenta o próprio medo de não saber recear.

Simplifica-me, diz-me de maneira harmoniosa “És tão tolo..”. Encosta o teu dorso no meu. Falemos assim… porque afinal de contas, temos direito a tudo. Tanta diferença só nos torna ainda mais iguais. Acabamos por sorrir sem qualquer motivo. Sim, somos bons. Os melhores. Presunçosos, vaidosos, únicos, completos.


Vou medir esta saudade. Por cada palavra, gasto dois tempos de mim. Por cada respirar, diria que dava para alimentar o corpo durante o tempo de reacção que demoras a sorrir. Vou cravar mais no fundo de mim, mais do que o agora.

Visto a pele de gatuno e roubo-te um beijo. Feliz? Pois, eu também!



imagem: Marco Neves

quarta-feira, 18 de outubro de 2006

Já é Noite

Tocaste-me por momentos, numa breve leveza de tempo. Acariciaste-me o rosto, da mesma forma que o Inverno abraça a floresta de árvores despidas. Nuas de preconceitos, abrançando o frio, o tempo gélido e tempestuoso. Abraça-me, minha alma de calma. Gela-me na alegria da geada.


Brada o vento, constantemente contra paredes e janelas. Espera por encontrar uma fenda para penetrar no interior. A lua, esvaindo-se atrás da planura terrena. O meu coração voa mais alto, avista um outro horizonte.

Inalcansável te encontras de mim, mas tenho entre os meus dedos o desejo de estar presente. Em boa hora, num novo momento oportuno me tocarás.


As noites, sinto-as breves, como suspiros carregados de desejo. Seria pouco da minha pessoa, pensar em algum segundo, ser possível escapar desta redoma. Não é que me sinta preso por completo, de acções comedidas pelo parco espaço que me é concedido. Apenas... deixo-me ficar, mesmo que apertado. Este aperto por ti...


Sinto o cheiro da manhã que se avizinha. O vento que acalma, o dia que ameaça nascer a todo o instante. É mais uma viagem que termina na mesma estação. É este impulso que não me faz parar. O dinamo que não pára. A vida que prossegue, nesta regra consciente da minha loucura de te sentir. Entre os meus dedos tenho cinzas. Deito-as à terra. Que fertilizem a terra.

No amanhã voltará a noite. Com ela novos sonhos.

segunda-feira, 16 de outubro de 2006

Eu Gosto!

Chego a casa. Entro sem fazer ruído. As mãos quentes tocam o mármore frio, desprovido de qualquer rugosidade. Bem sabe como gosto de lhe tocar, enquanto subo, degrau a degrau. Conto-os de forma inconsciente. Apesar de todos os dias me deparar com os mesmos, nunca soube ao certo quantos são. Contei-os em tempos. Esqueci-me, ou algo fez com que me esquecesse. É simples.


Percorri ruas, no meu compasso. O vento com promessa de chuva, oferece-me o cheiro a terra molhada. Forte, intenso, único. Revejo-te em tudo. Acompanhas-me. Embebedas-me em qualquer rua. Prossigo no meu compasso, tropeçando por vezes na calçada irregular.

Agrada-me o vazio, o despojo da presença humana, desnecessária. Por mais que passe por estes recantos, viciei-me há muito em sorrir para estas cores pardas, quase soturnas.

Sento-me nas escadas da igreja. Acendo um cigarro. Preparado para assimilar e consumir toda a crueza da noite. Estes meus pequenos momentos, preenchem-me, revigoram-me. Não somente por mim e para mim. Tento transportá-los para o papel, porque gosto. Gosto muito, gosto de gostar. Gosto do simples e simples que é gostar. Basta que se goste. Porque gosto, com muito gosto! Por mais que me repita, não deixo de gostar. E volto a dizê-lo, gosto! Gosto de cada vez que o escrevo.


Assim como todas as coisas pequenas que me fazem grande. Assim como as minhas fraquezas me tornam forte. Assim como o teu olhar me cega de amor. Assim como a tua voz me torna mudo. Assim como o teu cheiro me faz ter fome. Assim como o mármore me lembra a tua pele nua e fria. Assim como os degraus me lembram outros. Assim como o meu coração me lembra o teu. Assim como o vento que traz majestoso perfume, me lembra o teu respirar.


Assim como o não estares me deixa tão perto, tão dentro de ti, e tu em mim. Tudo isto se desenrola durante os cinco minutos e meio que dura o cigarro.

A verdade é que já não sei onde acabo e tu começas. Já não sei onde começa a névoa que se apodera do fim da rua. Tudo se transforma no que sou, e o que sou em tudo o que me rodeia. Completas-me.


Sejas tu mulher, chuva, encanto, delírio, tarde de Outono, sorriso de Primavera, flor de laranjeira. Sejas tu parte de mim, desse teu mundo e do meu, da terra de cheiro acre, do mar que nos salga a boca e a pele. Sejas tu as notas soltas na eterna melodia, meu devaneio, lirismo de uma tarde morna, a tela que pintas em mim. Sejas tu a causa da queda do meu império, a minha vitória ao raiar de cada dia, o declínio do sol até tocar no mais fundo horizonte. Sejas tu o pequeno momento que não é mais que esta vida.


Quero e porque assim tens de ser, única. Quero e porque assim te sinto, minha. Quero e porque assim te sinto, em mim. Quero, porque querer-te é mais que escrever, mais que qualquer palavra. Emociono-me de cada vez que me olho, vejo-te em mim. Vibro de cada vez que penso o teu nome. Estremeço de cada vez que me abraças com força, e tão forte me sinto.


Agora vou subir pelas ruas, com uma música na cabeça, sinto-me bem. Delicio-me neste sorriso malandro, conspirando enquanto dormes na noite.

Constou-me que gostas de mim…

É engraçado… e não deixa de ser curioso…

Gosto de ti, sabias?

sábado, 14 de outubro de 2006

sexta-feira, 13 de outubro de 2006

Um Dia

Por onde começar se nem sei onde fiquei. Não sei, não vejo, não sinto e nem quero saber...
- Mas saberás um dia

Então espero por ele ou decido continuar de olhos fechados, de costas para o mundo e para o que não quero ver...
- Talvez não te deixem ver... talvez te escondam a realidade.
Quiçá... talvez seja eu próprio a esconder-me da realidade.
- Fictício?

Porquê fictício? Que terá mais peso no que faça e deixe de fazer? Apenas um combate a dois, mano a mano, eu e o meu mundo.
- Um novo herói?
Não, apenas o mesmo de sempre; o anjo, palhaço num modo de perfeito idiota, o pensador, o critico, o destruidor, o salvador... a mais valia de todo o meu pequeno grande mundo.
- Infeliz?
Deveria estar? Não perdi nada, penso eu. Continuo aqui, livre, expontâneo e com boa vontade de estar sentado de costas para o mundo.
- Orgulhosamente só, pelo que vejo.

Nada disso. Não há a necessidade de misturar o Mundo com o “mundo”...
Rapei o cabelo!
- Fizeste bem, é porque assim entendeste fazer.
Exacto! Assim o entendi. O choque é gostoso, o frio que me envolve a cabeça, não depender de agua, pente e gel. Tenho uma cabeça livre!
- Então rapa o coração também.
Não me apetece senti-lo frio. Sempre foi livre e sempre será.
- Mentes com todos os dentes!

Sim, minto. Nem sempre foi livre mas agora é... também as aves voam mas nem sempre voaram.
- Nem tu próprio acreditas no que dizes

Como assim? Que sabes tu para além do que digo?
- Antes de falares ou pensares, sentes. Sei tudo antes de ti.
Não acredito no que dizes. Estarei perante um monólogo? Amigo e confidente fictício?
- Estarei? Estarás?

Continuo sem entender qual é o problema em si. Não compreendo. O meu raciocínio encontra-se fora de mim, perco-me dentro de mim com facilidade.
- Estou aqui

...Sim, eu estou aqui. Continuo sem olhar para o mundo.
- Para quê virar as costas para o próprio brilho, quando o principal problema reside nas agressões externas ao teu mundo e não em ti próprio.
Para quê questionar-me se o problema está lá fora e não em mim?
- Necessidade de mudança meu caro?
Não dependo de nada nem de ninguém para mudar. Mudo conforme as situações e não dependente delas. Tenho mão em mim.
- Definitivamente, orgulhosamente só, pelo que vejo.
Não te repitas... que o seja!! Estou orgulhosamente só.
- Sei disso, porque o necessitas, porque gostas e porque queres.
Acima de tudo porque desejo.

- Será só isso que desejas... não mintas a ti próprio.
Existe desejos, tantos outros que se realizassem ficaria vazio e sem sonhos. Ficaria frustrado por tudo se concretizar. Nunca chegaria a ser o que sou hoje se assim fosse. Não valeria a pena brilhar na mais escura das noites.
- Supernova, deixa que te toquem, há quem mereça.

Mas há quem tenha tocado mas não merecido.
- Deixa, por favor...

Nada mais tenho a dizer. Prefiro o egoísmo e saborear todos os momentos voltado de costas.
- Egoísmo... solidão...

Orgulhosamente só, prefiro assim.
- Não te repitas, por favor.

Não te repitas, não me repito.
- Acreditas em Deus? Quem está acima de ti?

Acredito, se assim não fosse não acreditaria em mim próprio. Eu sou Deus... o meu próprio Deus. Acima de mim não existe mais nada.
- Já agora, também, poderias ser o Pai Natal...

...E também ser a salvação das focas e das baleias em extinção. De boas intenções está o mundo farto, sou humilde e realista.
- Que humildade essa... alguém humilde não diz que o é.

Repito, de boas intenções está o mundo farto... sou humano, logo também, sou hipócrita... queres mais humildade que esta?
- Pronto, és humilde.

De desculpas está o inferno cheio, de boas intenções o mundo farto... está tudo cheio e farto. A saturação chega ao extremo de não nos lembrarmos que temos a capacidade de raciocinar.
- Talvez seja um defeito

Talvez, pensar e sentir seja um defeito.
- Quem sabe...
Pois, quem sabe... um dia...
- Um dia...

quarta-feira, 11 de outubro de 2006

Space


Confuso... pois algo se forma, mesmo por baixo da lingua. Sei que mais virá. Esperam-me... os pensamentos. Vertigens de que sou feito. Até já.


imagem: Marco Neves

sábado, 7 de outubro de 2006

Soft Lithium

Neste mar vermelho de fé incauta, no escarlate que tenho em mim. Por muito cedo que acordasse para o tempo, nem ferro tinha para ecoar, no mais fundo da caverna.

Bigorna sobre bigorna, sangue quente que ferve no aço. Forjas a tua máscara, tingida de mim. Vamos, quero ver-te caçar.

Poderia ser corja, pua cravada na tua pele. Diamante lapidado às cegas, na tua coroa de espinhos. Porque não atracar numa inconstância terrena. Embarcar numa jangada, formada pelas nossas mãos.


Diagnosticas-me uma demência. Latente, exuberante, cristalina. Classificado, rotulado. Posteriormente cadastrado numa interminável lista. Dás-me uma senha. Atirado sem qualquer aviso prévio, para esta fila que nem sei para que serve.

Reflexo de mim, são linhas soltas. Pontas desleixadas como o meu cabelo ao acordar. Confusão, organização sem critério, livre. Preparas-me para o almoço, de camisa lavada e dentro das calças. Detestável. Puxo de um cigarro à tua frente, sentado à mesa. Desafio-te. Confronto desmedido, presunçoso, água benta à descrição. Partilhamos o sol, a brisa fresca de Outono, a conta do almoço. Vou regar-me com mais um pouco de vinho.

Confesso os meus pecados na tua inestimável presença. Dilacero-me em mil aspirações, nesta veia de escrever. Apraz-me, realiza-me… e tanto que gasto de mim. Mas não deixarei, nem um pouco que seja para o Apagão Geral, o tanas!


Vamos em competição, calçada abaixo. Abanas as ancas. Contraponho de nariz empinado e de movimentos roliços. Praticamente em processo finalizado, embalado e pronto a seguir caminho, critico-te por me mandares o borrão do cigarro para cima.

A porta fecha-se. Decisiva, felídea, faminta, desafio de luva branca em riste. Arriscado, ousado, determinado em sair da minha própria pele. Vejo em ti um vício, um risco de cocaína, desde a tua boca, ao umbigo.


Desmultiplica-se a mente em tantas faces que vivem em mim. Tantas que por vezes fico sem saber quem sou, na altura em que se transformam em ilhas. Isoladas, bem aqui dentro. Vês? Entretenho-me em desmantelar-me. Reciclo, taxado com o ecovalor, estereotipo não poluente. Certifico-me de não me esquecer de me esquecer.


Porque tenho de tomar esta vacina, se nem sei para que serve. Obrigas-me, mais uma vez a escrever. Amordaçado, preso, acorrentado. Incomoda-me o parco espaço que me possibilitas em ti. Não há condições. Não caibo dentro de mim mesmo. Congela, desenforma, deforma, retoma, conforma, adjectiva, congratula, impede, consola, verbaliza, encoraja, ancora, cataplana de marisco para dois, por favor. Indiferente, autista, perdido, entregue na morada errada. Insano, porque gosto.


Toma-me como uma ameaça. Alvo, inimigo, único. Catalogado e entregue à autoridade competente. Porque me causa impressão, até a própria caneta dispor de código de barras. Impressionado, inesgotável, incansável, inigualável, intangível, mas nem por isso alienável.


Tudo porque resolvi parar, frente de um espelho por mais de dez minutos. Tu, que me olhas desse lado, sem ser este que vive em mim e tanto me martiriza, perguntas-me:

- Que tens?

Eu, naquele pedaço que ainda cabe em mim, respondo naquele tom habitual acusador, de quem parece querer esconder, no entanto acusando o crime de pensar:

- Eu? Nada!!!

Abraças, envolves, resolves, afagas, compreendes. Num beijo, com o bónus de um sorriso. Vives, respiras, consomes, partilhas, completas. Porque por vezes não me aguento, quanto mais aturar-me.


Vamos viver mais um pouquinho ali ao sol. Amanhã virá chuva. Com ela aqueles momentos, os tais. Aproveitemos ainda a secura, antes da diversão da relva molhada.
imagem: Marco Neves

terça-feira, 3 de outubro de 2006

Lobo Mau Anacrónico, Rendido A Um Capuchinho Vermelho Ereutrofóbico

Parte I (essencial)


- Olha, queres que te coma?

- Ai que parvo! Não me faças corar!!



Parte II (opcional)


Numa acalmia, segura de si mesma
Dança no caminho, verdejante de luxúria e requinte
Na sua viva cor, cheiro a rosmaninho
Caminha leve, na terra húmida de cetim

Oh, como é bela, no seu encanto de melodia
Leve, leve, em branca pluma de sentir
Assim, como a teia que prende o dente-de-leão
Teço suspiros em pensamentos vis

Retrocedo. Avanço, pequenos passos até ti
Não me vês. Não me cheiras, mas sabes que estou aqui
Considero-te uma presa, ágil na simpatia
E agora para que rime, segredo-te; - Vou cortar-te fatia a fatia

Bem fininhas, com a estampa da tua cara
Saborosa. Servida num pedaço de cada vez
Quero-te, sem cerimónias, sem esperar pelos talheres
Aglutinar-te. Em seco, engolir-te. Ter-te dentro de mim

Bem sabes como me alimentas, neste meu mais querer-te
No meu impiedoso impulso de tanto mais, e mais que o agora
Nos olhos de passado, o tanto mais já nada é
Sou o terrível apaixonado, temível devoto de ti, dessa fome

Quero atacar-te quando escurecer, fazer de ti a vítima que vive em mim
Trocando de papel. Tu, minha viúva negra
Lambo o teu veneno, na saliva que me trazes à boca, ao corpo
No ferrão que te espeto, sem pudor que haja para me impedir. Preencho-te

E vais leve, floreando o caminho de deleite carmim
No teu olhar travesso, o mesmo que acusa a minha presença
Embalas no perfume, notas do teu tom de pele
Espero-te na seguinte árvore. Vamos recomeçar

domingo, 1 de outubro de 2006

Domingo

Encosto-me na cadeira de metal, fria. Na esplanada de sempre. O cigarro, branco, desejoso de morrer entre os meus lábios. O café, sem açúcar, a água tónica, eternos aliados do meu gozo pessoal.
Hábitos que não mudam, que fazem parte de mim. O gosto que tenho na sua repetição. Tento repetir o gesto, pois quando se gosta...
Tudo o que me proporcionam, pequenos gestos estes, que tanto que me fazem feliz.
Recosto-me na cadeira, enquanto a música durar. De olhos fechados. Sinto-me bem.
Bom Domingo.
Sugestão do cheff: Beth Gibbons & Rustin Man - Romance
imagem: Marco Neves