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quarta-feira, 22 de novembro de 2006

O outro que sou

Faculta-me apenas a um dos sentidos, ao sexto, a possibilidade de compreender mais além. Para mais longe depurar, alimentar este estranho ser que mexe e me revolve por dentro.

Sou eu o próprio progenitor, e assisto complacente, à aliança que todo o meu corpo permite. Tanta vez que me dilaceras o ego, nessa tua vaidade pretensiosa e prosaica. Aniquilas-me, ofuscas qualquer intenção que tenha em cortar-te a acção. És forte, eterno enquanto se tenha força para desafiar a vida.


Empurras, espezinhas, fazes com que fale, por mais que quisesse ficar no silêncio. Hoje que te ausentaste do meu sonho acordado, sinto-me vazio. Um pouco mais no vazio, de mim mesmo.

Estranha relação esta. Entre tantas faces com que te vestes, chego a temer-te, sabias? É embaraçoso estar rodeado de um mundo, e ver-te a qualquer momento, em qualquer objecto que reflicta.

Desafio-te, dia após dia, nesta constante consciência de mim, de ti. Pergunto-me se não sofro de uma demência latente. A constante preocupação em enlevar-te os sentidos. Apoderas-me, vicias-me nesta eterna auto descoberta. Tanto é, que dou por mim a escrever, na madrugada já quase extinta. Acordas-me em sobressalto, a tua voz na minha cabeça. Fala-me. Escreve-me. Sente-me.


Sacana vaidoso e presunçoso. Tiras-me do sono, cansas-me. Levas-me à derrocada física e mental. Pára! Infectas-me de palavras, escritas em negra tinta. Injectas-me em vontade de debitar-te no papel, no tamanho do mundo. Voltarei a adormecer, após o prazer. Teimando em não admitir que desfruto num gozo enorme. Pouco seria sem ti, ambos não sabemos equilibrar-nos numa outra espécie de viver.

Troca-me a volta, a fronha engelhada de tanto aterrar as ideias. Os pés frios, fora do lençol. Excitado, até que seja consumada a satisfação que me assola.


Acendes um cigarro, da mesma forma como eu faço. O papel branco, roça entre os lábios carnudos, humedecidos na ânsia ardente. O extremo da língua, molha a sua base. Roda-o, na tua boca, entre os teus dentes. Aperta-o ao de leve. A pausa, o primeiro momento em que o sentes. O ritual de olhar para a ponta incandescente. Fixas o vazio infinito, ao primeiro arquejo.

Acendo-te, iluminas-me. Dou-te vida nas palavras, dás-me na alma. Dou-te carne, ofereces-me prazer. Entrego-me nas tuas mãos, e nas minhas dou-te a cor de mim.

Obrigas-me a admitir que gosto de ti. Nutro em especial sabor, partilhado num sorriso malandro. Criámos, construímos, fundando um Universo. Explicam, teorizam a nossa existência. Somos catalogados, e com desdém, conduzidos à loucura infame. Não tomo por concluída esta viagem, seria condenar-me a uma morte mais prematura do que será.


És bem maior que a minha condição. Desculpa-me por não te poder ser eterno. Traz-me o sonho de volta. Necessito. Agora.

7 comentários:

Anónimo disse...

"E eis que se levanta agora flagrante essa coisa obscura que determina o "tu" de alguém.
Não é nada. E é tudo.
Porque toda a sua pessoa está naquilo que a diz - e no entanto não está.
Toda a sua pessoa se revela no que vem à superfície ou aí se anuncia, e no entanto alguma coisa ficou ainda atrás, indizível e inacessível, fugidia e
flagrante - início puro e categórico, intocável e nula realidade, e no entanto fulgurante e categórica realidade. Está aí e não se vê, assinala uma irredutibilidade e todavia personifica-se em tudo o que a manifesta. É cognoscível e furta-se, é inegável e não podemos apreendê-la. Mas é essa indizibilidade, essa coisa nenhuma, esse quid real, que marca e determina a verdade de se ser uma pessoa e não outra."

Vergílio Ferreira

Anónimo disse...

O que é...?
Também me perguntavas o que era Zaro ;)

Maria Brito disse...

Nick Kershaw - The Riddle

Assim será! ;)

kurika disse...

Intenso...o sentir e o teu escrever...

Bjs

Sìlvia Neves disse...

O que escorre por detrás das palavras....

Anónimo disse...

...o instinto,o feminino,o rateiro mas tão preciso...alter-ego.














Não me incomodo se repito...
Talento bom o teu.

Joker disse...

Vicio de ser...o que não somos!

Beijos mervelhágicos, alucilâmpados e viciantes!

Cheers

(