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segunda-feira, 14 de agosto de 2006

Uma memória

São sensivelmente 7 da manhã, mais uma noite de afortunada miséria. Digo afortunada porque dentro da miséria subsiste algo de intocável, o sorriso. Malicioso e lambido pelo álcool. É apenas mais uma crónica dengosa e quase banal. Uma entre as últimas noites de inegável soberba.

Munido de viciosos trunfos, peco pelos sabores dos inúmeros batons que provei. Estes vergões demoram a desaparecer. Éramos tantos, perdi a conta desde o início. Que marotos, ora bolas! Este rapazinho que tanto se alimenta, esta voraz fome que me continua a comer por dentro.

Amanhã era dia de me levantar cedo. Sei lá, fazer algo de normal, ir mudar a pilha do relógio, beber um café arejando ao ar livre. Empanturrei-me de corpos nus, reguei-me por dentro e por fora. Foi vinho, vodka e outras tantas coisas que nem me lembro. Foi suor, sangue, fluidos. Necessito de um banho, tenho a pele colada à alma.

A cabeça parece que estoira, o calor do Verão mostra as suas presas ao findar da madrugada. Reparo que no bolso trago o que resta de um colar. Atiro-o fora, não me interessa uma prova de qualquer tipo. Basta-me a miséria. Enchi demasiado a cabeça e o estômago. Sinto-me esgotado, o pouco que me corre nas veias nem sangue é. Apenas tesão e adrenalina… sinto-me tão cansado.

O sol já despontou no horizonte, a luz cega-me lentamente, viola-me a retina. Em passo custoso chego à minha rua. Passo-a lentamente como por cada corpo que se deitou ao meu lado. Acendo um cigarro amassado, tal como eu estou… e ambas as coisas me sabem tão bem…

É um último tiro, uma última linha. As narinas estoiraram, vomitaram no espelho este guloso capricho. Paguei o seu preço, por uma última vez entre todas as outras. Foram outras, mais outras e ainda aquelas ali. Meu Deus, fartei-me.

Deito-me vestido, desobedeço à rotina. Dancei entre todos, despido e virado do avesso. Deito-me numa manhã de Verão completamente vestido, como acusando uma vergonha. Não são mais que meras memórias, fica-me mais uma. Desejo agora mudar o rumo. Experimentalismo esgotado, uma nova fase então. Tornar-me-ei mais igual a mim próprio. Vou adormecer por fim, vestido, extasiado.

2 comentários:

Anónimo disse...

vou dizer-te...........

..........gostei imenso deste texto.

vou dizer-te o mais breve e honestamente possível:

foi nu e cru.

foi como ter levado uma bofetada
uma chicotada, quem sabe. por vezes a nossa memória dói muito sobretudo ao/ se recordarmos certas coisas que possamos [ou não] ter 'experimentado'.

não quero alongar-me mais. ;)

ainda que o texto seja ficção, parece-me muito sólido e bem construído!

bom fds*

A.

Melody disse...

Belo texto!
São as memórias que fazem o que "hoje" somos, (ou não...). Expriências vividas de facto ou sonhadas, e os efeitos colaterais que delas ficaram.
"Viajar" pelo teu blog,é como fazer uma viagem às profundezas do "Self".
"Viagem" despida de compaixões! nua e crua!
Beijo.