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quarta-feira, 1 de junho de 2011

de|um|todo

Mostra-me o mundo fora do meu, que dos meus olhos sei eu. Uns dias mais, outros nem por isso. Mostra-me antes onde compras tabaco, a rua que mais gostas e não a que mais mostras. Diz-me a que te soa a palavra gostar, e depois, mostra-me como gostar não é apenas mais um gesto caído na graça dos dias. Mostra-me onde foi que caíste de bicicleta e choraste. Dá-me a conhecer as cicatrizes, o odor da fruteira da tua cozinha, onde tens os sapatos poeirentos que já não ousas usar, mas ainda lá estão, como tantas coisas que guardas dentro do peito. Mostra-me o que não dizes gostar, porque eu gosto assim. É um verbo pleno, elegante, sabe bem. Mais que dizer, é sentir, formando-o, dizendo-o em cada início, para no fim, repetir. Eu gosto.

Mostra-me os recantos imperfeitos, os terrenos onde perdeste, algo mais agreste, o estéril que te habita. As imperfeições que te ficaram, memórias distorcidas pelo próprio tempo, gastas, carcomidas de tão pensadas que foram. Mostra-me sim, onde compravas as porcarias com que te enchias, as outras com que agora te empanturras. Dá-me outro cigarro dos teus ou deixa-me a ponta com a tua saliva. Diz-me como saber do teu sorriso, ouvir-te rir entre uma piada foleira e uma partilha de gelados. Mostra-me a infindável saudade dos tempos da Primária, quando dobravas aquela esquina ali, a caminho de casa. Mostra-me como a vida se faz de nadas, e nada mais que o presente, é um mostrar por completo. Num todo que somos, um tanto nada de mim vive em ti.

Mostra-me como coças a cabeça, os gestos tão teus, o teu virar de página, o teu pegar no copo. Demonstra-me como defendes as tuas ideias, a garra com que te entregas, à causa, à pausa, ao abandono nestes braços que te moldam em cada regresso. Explica-me como consegues remover verniz das unhas com tanta eficácia, como tratas de arranjar um lugar descabido para esconder um coração perdido dentro de outro. Fala-me de pechinchas, de linhas mais em conta, de pacotes promocionais com sabores sintetizados. Explica-me a análise da coisa, como conversa sem aparências ou ilusões, de doidos, sem paradeiro da conclusão.

Guarda-me em segredo e sussurra-me ao ouvido quando ninguém estiver à nossa volta. Diz-me quantos dias guardas em sonhos, as horas que já perdeste quando não o fazes. Sabe-me o teu suspiro a um romântico bater de asas. O olhar vagamente acima da linha dos meus olhos, assim como quem está desinteressada, e pergunta-me se me importo de enumerar todos os teus defeitos. Faz-me mal, deixa-me a meio de um beijo. Vicia-me na tua queixa pelos meus hábitos, quando a tua vontade é de te perderes por eles, em mim. Mostra-me só mais um pouco, para que acredite.

10 comentários:

Autora de Sonhos disse...

fantástico...conta mais...

Primavera disse...

O todo em partes.Das partes um todo.

:)*

http://www.photoblog.com/Primavera/2009/10/05/o-todo-em-partes-das-partes-um-todo.html

retiro o que disse... disse...

outra vez...

MissBlueBuble disse...

Só tenho a declarar que ainda bem que mudaste de letra...o resto já tinha declarado :)

Nawita disse...

Gostar e querer , dois verbos mais que perfeitos.

A Minha Essência disse...

Saudades de te ler...

Querer é poder! :)

Catarina Reis disse...

Profundo mas muito bonito. Um beijo

Drinha disse...

Conheci hoje...vale a pena vir aqui...!

A Loira disse...

Para mim, o melhor post que já li aqui.

Senti...

Anónimo disse...

Ser assim espontâneo é tão raro, faz falta não disfarçar os sentimentos e o que somos, sem medo do que os outros vão pensar, sem guiar-mo-nos pelas aparências, sermos apenas nós.
Seria tão mais fácil...
Gostei muito!