...

...

sábado, 20 de março de 2010

cursivos

Estranha forma como começo por descrever este momento, sendo quase inócuo, talvez impossível de desatinar comigo mesmo, só mesmo porque não me importo. Frase mágica que me surge a completar o raciocínio, "porque não me importo". É mais que desistir, menos que desacreditar. Sem ser uma falência das crenças e dos sentidos, ou aliar-me à fácil trama do coração desfigurado, apenas já não me importa.


Uns pés descalços e já um ombro com a pele em alvoroço. Frio. E um estado virginal, quase leve, quase brando, que ao olhar para ti nada me dói. Porque não me importo, lembras-te? Não te olho, mas deambulo de pensamento corrido. Não há corações desfigurados. Porque não há corações desfigurados, só tempestuosos. De tempestade? Não, de Amor. E aos clichés, um brinde, quase murmuro. Mas que se foda a poesia. Eu só queria que estivesses sozinho, não contigo mesmo, mas com a crença mentirosa de que não mais acreditas nas nossas memórias. E não te olho.


Descolou-se-me o manto provençal, uns tantos dizeres tão sentidos como o poço das paixões secretas. Da mesma forma como se descola a retina a um atirador profissional, assim sinto esta bebida forte atravessar-me por dentro. Foda-se, já não quero saber. De tanta engrenagem me saturei, e nenhuma outra acção me ocorre a não ser colocar as mãos atrás da cabeça e descartar toda e qualquer vontade de me sentir.


Arrasta-se uma cadeira, coloca-se mais um copo à mesa e traga-se vodka em três goles. Quase que te desprezo, quando à pouca luz o teu rosto sem som me parece a coisa mais bonita de sempre. Lembro-me agora porque me conquistaste. Em expressão insana, silencio-me num “cabrão”, enquanto ato o cabelo que me cai pelas costas. Levantas-te, agarras no casaco e bates com a porta. Finalmente uma morte ao silêncio. Olho, autista, para a parede. Caio da cadeira, bato com o cotovelo, o meu cabelo desprende-se. Choro-te, a ti e ao chão. Cabrão. Amo-te de doença, de morte.


A mim que já nem me importa se volte a temer a morte, ou pior, morrer de paixão, se nem já lhe vejo o rosto. Que a mesma me consuma as veias, secando-me de desejo, de ânsia aflita e desesperante. Agora... agora sento-me numa esplanada, quieto apenas, no silêncio que só a madrugada traz consigo. Toda esta quietude, quase bizarra de imaginar outrora, seria constrastante com a maquinaria a vapor que sentia possuir-me o pensamento. Resume-se a um pequeno compêndio emocional, desenvencilhar-me de mais uns acrescentos que me deram à alma.


Permaneço em chão que não me é alheio, mas que me fere os poros. Porque das tuas palavras escritas em noites antigas nas minhas coxas, só te consigo dizer que de todos os homens que já tive, só tu me sabes chamar. Choro piamente, até que a desgraça pareça ridícula e adormeça.


Necessito de alguém que me fale das diferenças entre cosméticos baratos e caros. Necessito de ouvir dizeres e boatos, alcoviteiras de anca larga, de sentir um perfume liso, plano, de odor a açucareiro ou essência de lavanda sintética. Quais bálsamos, concentrados ou óleos, sândalos e madeiras exóticas. Enjoei-me de tantas paixonérrimas canduras, de triunfos cantados à clara voz que nos abre o peito, aventuras e vãs glórias de amar... enfim. Acabamos todos numa cigarrilha mal fumada à varanda, antes de nos esticarmos na cama engelhada, no compasso da ventoínha para enganar o calor de Agosto.


Sonho com um Verão que nunca chegou a ser. Levavas-me até ao México que não vem no mapa. Apaixonavas-te por uma cigana de olhos verdes, mas foi a mim, de olhos castanhos, que pedias em casamento. Neguei onze vezes, uma das quais ao almoço, ao lado de um casal perfeito, lindos. Durante a tarde fazíamos amor como quem fazia carrosséis e algodão doce, de cortinas puxadas e perfumes alegóricos. Éramos lindos, na cama. Implicava contigo: um bom cheiro vem de flores bonitas, não de falsos incensos. Era um Hotel pintado a ocre decadente, e eu chamei-te de meu amor. Não sorriste. Não pestanejaste. Nada. Não foste tu. Afinal, eram só mesmo falsos incensos.


Nem importa o mês, apenas um exemplo, porque já nem me importa muito que o Inverno continue. É. Até nem me importo muito com o que possa acontecer a seguir. Continuo a adormer e a acordar no mesmo local da mente. Já nem bebo...


Se ao menos quisesses saberes-me ouvir. Porque me dói. E dói-me por saber que me sabes ler, mas não queres. Não és tu. Nem por um segundo desvias o olhar do infinito que encontras numa parede despida. Nua me deixas. Nua. Sem ti nessa mesma tua presença. Dói-me tanto quando te dás assim, a mim.


Aflige-me aquela sensação que me domina por certos momentos. A extrema necessidade de implodir, dando por mim a procurar nos outros mais e maiores males, que me alimentem a fome de destroços. E como adoro... e como adoro um bom coração estropiado. Pior será a carência emergente, e que na verdade, já não querer saber é apenas o início de uma fase. Sinto pavor ao que precede por não ter a cabeça repleta com as coisas dos outros, de outro alguém. Provoco, insisto em espremer o coração até que o mate. É um pavor absurdo do Sol. De tanto saber que te amo, maior é esta tusa por te matar.


Procuro-te irracionalmente em aflição desmedida pela casa. Não voltaste. Sem surpresa. Sem saber se é bom ou mau. Arrasto-me com o roupão a meio corpo, os seios que vislumbram na penumbra o teu rosto inventado. Uma perna nua à tua espera, ao canto da casa.


Ocupo-me de merdas que nem gosto, não quero saber! Adoro o cheiro do vinil quando novo. Preto. Vermelho. Preto e vermelho. Forrar as paredes assim, quentes e frias, frias e quentes. Apetece-me.


De boca com o sabor a esmalte, descalça, enamoro o papel de parede que comprámos juntos. Tinha o coração estropiado, e tu, em modo Velvet Underground na ponta da língua, enfiaste-me no carro e deslumbraste-me com promessas de paredes alegres. Cantavas mal, mas reparaste-me o peito encardido. “Destroços... que destroços os teus...” dizias tu, no teu ar complacente e de cuidado, quando me querias noite dentro.


Não é que me importe, ou então minto descaradamente, mas tenho fome. Regressar nas mesmas palavras com que saí. Nenhumas. Puxar-te para um canto qualquer, ignorando que os teus pulsos gritem a tenaz dor de te agarrar. Rasgar-te. Saber cantar na rouquidão que a catarse me dá. É um ódio incondicional, amor. É um ódio desejar-me rebolar pelos destroços para saber adormecer entre os teus seios. Despojos de gostar assim.


És doente, mas sou crente na tua doença por mim.


És dor, Amor. És morfina para mim.

15 comentários:

Dark angel disse...

Fiquei extasiada, ainda estou a digerir. Há alturas que lemos coisas de outros que se encaixam perfeitamente com momentos nossos, em contextos nossos, mas as nossas próprias palavras não saem tão perfeitas. Olha, não sei, só posso dizer PARABÉNS...

Wiwia disse...

Falando em boa articulação... Também deves ter praticado muita ginástica.
:)
Bom trabalho!

C.I.A.A disse...

(:

gosto da tua escrita

Matilde Quintela disse...

Não há palavras, não há nada que possa dizer pois tu já disseste tudo.
Posso dizer que adorei, mas isso parece pouco.



PS: Yofo zafa fofo alofo nofo cofo cofo!

C.I.A.A disse...

boa interpretação (:
Obrigada (:

Primavera disse...

...sentimentos que se repetem e que no entanto não são os mesmos.

"O mesmo homem não pode atravessar o mesmo rio, porque o homem de ontem não é o mesmo homem, nem o rio de ontem é o mesmo do hoje"

.... :)*

farfalla disse...

"Se ao menos quisesses saberes-me ouvir. Porque me dói. E dói-me por saber que me sabes ler, mas não queres. Não és tu. Nem por um segundo desvias o olhar do infinito que encontras numa parede despida. Nua me deixas. Nua. Sem ti nessa mesma tua presença. Dói-me tanto quando te dás assim, a mim."

"É um ódio desejar-me rebolar pelos destroços..."

http://www.youtube.com/watch?v=QQtLoJlQD6E

acorreu-me algures por entre a leitura a frase "the killer in me is the killer in you"

_Baci_**

Estranha pessoa esta disse...

......





.........................................................



















..........

Miss Kin disse...

Gostei tanto, tanto...

Say Cheese disse...

Exactamente. Acho o blog original :)

cláudia disse...

gosto do que escrees. :)

cláudia disse...

sim, dependeria de ambos. mas neste momento não sou eu quem pode mudar o "jogo" :)

Say Cheese disse...

Ohh, obrigada mesmo! Que simpatia :$
É sempre bom saber que há alguém que gosta do nosso 'trabalho', da nossa paixão +.+

Rita P Faleiro disse...

Numa palavra... arrebatador a todos os níveis. Confesso que me fizeste chorar, e confesso sem vergonha. Parece que me estavas a descrever em certa altura da minha vida... "já nada me importa"... "descartar qualquer vontade de sentir"...

Adoro a maneira como escreves e como transmites tanta coisa que eu julgava impossível de transmitir em palavras...

Confesso que me tornei fã do teu blog e da tua maneira de escrever...

Adoro.
A ti sim, BRAVO!

Beijinhos

Rita

Filipa C. L. disse...

com a musica de fundo, se este post tivesse mais tres linhas tinha começado a chorar que nem uma menina