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sexta-feira, 4 de maio de 2007

Eu, Tu

Tu e eu, conjunto infinito de uma rara coincidência. Largos caminhos, que por vezes, demasiadas até, se estreitam e aniquilam tudo o que se poderia descrever. Tu, não mais és quem sou, visionário, reflexo de espelho. Sou eu, toda a mão que bate no peito, sorrindo ao vento que me torna invisível.

Não mais esmoreço, nem adorno com a chuva até aos ossos. Mesmo adormecido nos braços de quem cria a o mundo, a sentinela seria a mesma de quando me deito. Todo este ciclo interior me cansa, aos poucos, como quem lança semente no vazio. Criados em tantos sonhos, aqueles maquinismos complexos, completos, fazem-me sonhar com o mais improvável dos fins. Ser-te tão longínquo como sou de mim.

Reverso que és, medalha pela lacuna de não mais saber o teu nome. Dou por mim na confusão dos meus pecados, sem a sombra que me falta. O peito que me falha em ar, por estar demasiado apartado da linha do infinito.

Tecerei em mais linhas de escrita, umas quantas palavras que pouco te sei falar. Dizer-te em palavras, das mesmas que sempre uso, que és meu, sendo eu a tua perpétua imagem. Descola-me de ti, descrença maldita. Exauridos momentos em que tanto me calo. Tanto mesmo, tanto...

No toque da pele, no espelho de Narciso seria o próprio beijo que te desse. Ofereço-me antes, ao destino que me conservo. É consumo a que me acostumei, extinguir-te nas últimas palavras, assim como agora.

Velho culto, danças de cavernas. Escondo o pequeno cintilar da vida em chama. Pavio a que me dou, serias tu a clemência viva em toda a cor. Dar-te significado, oferecendo-me em corpo, para que renasças de cada vez que morres.

Quantas vezes chorei no teu leito, quantas mais te lancei aos céus. As mãos guiam-me pelas linhas que escrevo, as mesmas que comandam a corrente. Prende-me mais, aprisionar-me sem olhar para quem sou.

Não estaria tão longe do final, caso a tua liberdade condicionasse a minha soltura. Vivo, revejo-me na palavra que me foi ensinada, sem que me aprimore na certeza de adjectivos. Preso estou a sentir o fundo de nós, até que a morte me separe enfim, de mim.
A todos, muito obrigado pelo melhor prémio que me são.

8 comentários:

Anónimo disse...

"Tu que sabes que o novo existe sempre, mostra-o aos outros - no que eles nunca souberam ver..."
(Eugène Delacroix, in "Diário")

1.01 disse...

Meu, não sei porquê este texto fez-melembrar o Carlos T.



Não me mostres o teu lado feliz
A luz do teu rosto quando sorris
Faz-me crer que tudo em ti é risonho
Como se viesses do fundo de um sonho

Não me abras assim o teu mundo
O teu lado solar só dura um segundo
Não e por ele que te quero amar
Embora seja ele que me esteja a enganar

Toda a alma tem uma face negra
Nem eu nem tu fugimos à regra
Tiremos à expressão todo o dramatismo
Por ser para ti eu uso um eufemismo
Chamemos-lhe apenas o lado lunar
Mostra-me o teu lado lunar

Desvenda-me o teu lado malsão
O túnel secreto a loja de horrores
A arca escondida debaixo do chão
Com poeira de sonhos e runas de amores

Eu hei-de te amar por esse lado escuro
Com lados felizes eu já não me iludo
Se resistir à treva é um amor seguro
à prova de bala à prova de tudo

Mostra-me o avesso da tua alma
Conhecê-lo e tudo o que eu preciso
Para poder gostar mais dessa luz falsa
Que ilumina as arcadas do teu sorriso

Não é bem por ela que te quero amar
Embora seja ela que me vai enganar
Se mostrares agora o teu lado lunar
Mesmo às escuras eu não vou reclamar

Eme disse...

Fico à espera que algo morra, mas não sei bem o quê. Espero apenas que morra. E volte. Mas fique sempre por cá. Beijos

Aestranha disse...

Não será a última vez que as tuas palavras me deixam não à beira mas mergulhada nelas e nas lágrimas.

Belissimo.

Muitos beijos

Anónimo disse...

pois..fiquei assim,..sem nada p'ra te dizer..
excepto.
graças a Deus\ que te dáp'ra escrever.

1.01 disse...

volto a dizer que não se deve evocar o numero da besta se não se a quiser enfrentar...

o primeiro passo é ver-lhe o rosto...

um abraço

Magia disse...

Dolorosa separação essa que no fundo se ansia como se do dia do nosso nascimento se tratasse...

"Preciso Morrer Uma Vida Inteira"

Maria Brito disse...

tenho muito medo deste personagem que te possui em prováveis noites de insónia... medo... muito medo!