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terça-feira, 29 de agosto de 2006

Falar contigo, como quem fala com Deus

- Ela -



Quando chegas, normalmente já te espero há um certo tempo. É curioso saber de antemão, quando o contrário acontecer, não me vais sequer deixar acabar o cigarro. Caramba, como és caprichosa. Subtil, dedos de veludo. Cruel, se te olhar como todos os outros.

Chegas com esse teu frio, de tão natural que é, como estares em tudo o que é vida. És encantadora, numa certa maneira de te interpretar. Difícil, mas bela na tua essência.

Sentamo-nos, lado a lado. Na mesma mesa, mirando o mesmo fio de horizonte. E como quem bebe um café ao lado de Deus, pergunto-te como foi o teu dia. Respondes-me num saudável sentido de humor, “Foi de morte!”



Do mesmo modo como alcanço uma tertúlia com o Criador, assim te trato da mesma forma, já que nos conhecemos de toda a vida. Mais tu a mim que eu a ti. Vou fazendo um esforço para entender certas linhas e compassos com que te reges. Tratamo-nos de modo informal, numa de “tu cá, tu lá”, assim como Ele. Também, não haverá mais ninguém tão igual a mim que o próprio Mestre.

Poderei brindar a ti, como quem brinda num jantar de recém divorciado, sem ser interpelado. Que seja! Sem me arrepiar. Sejamos vaidosos no nosso último suspiro, pois não há melhor fato que o teu. Eu sinto-te, e com o devido respeito, um brinde a ti.



- O funeral -

Aparte de toda a carga emotiva, a qual se torna num problema. Não me conseguir abstrair de todo um sentimento redutor. A perda, errática no meu entender, não deveria ser assim. São estas ligações ao comum mortal, que tanta vez tento arrancar da minha própria pele, e não consigo.

À margem de qualquer tipo de sofrimento, há em si qualquer coisa de belo, poderoso e nobre. Algo que no meu consciente, me transcende por completo. Sei que algo paira na atmosfera, e não consigo alcançar mais do que saber apenas que o sinto.



Não é que sofra de qualquer tendência psicótica, ou então, tento enganar-me de uma forma minimamente saudável e equilibrada.

É tão assustador, tão estranhamente bom, quando passa por nós. Saber que naquelas mãos de veludo, existe um leito de paz. Existe o inevitável, não se comanda. Tão pequenos somos, à mercê de um suposto destino. Podemos encurtar a nossa existência… mas será que a antecipamos realmente?

Talvez não me faça mesmo entender. Talvez nem seja isso que procure nos outros.

Esta garantia de que um dia não se sentará ao meu lado, mas sim à minha frente. Fintando-me no último fio de luz, sussurra-me “Marco, temos de ir…”. E mesmo que não seja a minha vontade, não haverá muito a fazer. Espero apenas que pague o café, da última vez.

Está tudo bem. Está tudo da forma como deve estar, e sinto-me em paz…



- Eu -

Toda uma vida não me poderá passar ao lado. Não pode! O facto de aceitar a minha condição de mortal, tem de ser justificada. Paga-se com vida. Paga-se com dedicação. Paga-se com amor. E tudo vale e faz mais sentido, com um sorriso que esboce, porque é bom sentir.

E vou justificar tudo o que faça, e tudo o que fizeram por mim, construindo, criando. Com outras mãos, tocando nas minhas, um caminho em comum, uma ilha a que chamemos nossa.



É excelente viver sabendo isso, porque irei saborear melhor este vinho. Vou fumar mais um cigarro ao sol. Vou sorrir mais vezes. Vou guardar mais recortes de memórias e vivências. Tentarei ser ainda mais parvo, porque afinal de contas, dançar à chuva é só para quem pode. Porque afinal de contas, é tão bom viver.
Porque não há nenhum problema em reconhecer; a morte fica-nos tão bem…

sexta-feira, 25 de agosto de 2006

|M|acro |D|esintegração, |M|icro |A|dministração

Entra-se no esquema. Festas, eventos, longe ou perto, não importa. Vai a tribo, tribo das tribos, grupos e grupelhos, amigos de sempre ou de ocasião. Muitos ao inicio. Pouco a pouco, cada indivíduo entra na sua outra esfera.


É viciante. Não se consegue parar. De cada vez que o corpo é trespassado pela constante batida, o coração acelera mais um pouco. O corpo torce, contorce. Dá de si. A viagem ainda agora começou. Tenho vontade, muita vontade. Sorrindo de alegria, sem conseguir relaxar o corpo. Já sinto aquela sede mortal.

Confuso. Suado. Desnorteado. Desfocado. Dirijo-me para fora da grande tenda. Necessito de um pouco de água, de ar. Não sei, sinto uma certa aflição. De uma visão a milhares de cores, passo para o escuro total. Assusta-me. Não consigo mais estar aqui fora. Estou demasiado excitado para estar aqui, neste escuro.


Alguém aparece. Pega-me pela mão. Não reconheço. Vejo-a iluminada, assim como os anjos. Bombardeados por luz, gritamos, sorrimos. Aquele som que nos domina. Sinto-me nu, livre… vazio.



Saciamos a sede. Impedimos que a pica desapareça. Metemos mais um. Voltamos. Pisamos. Entramos novamente naquele tubo gigante. Deixo de ter corpo, deixo de ter mente. Já não ardo em calor. Muito menos sinto a dor que insistia em não me largar o peito. Tudo passa...


Fecho os olhos. Todo um Universo em meu redor. Esqueço-me… esqueço-me… esqueço-me… e deixo-me ir. Nestes momentos, nunca se quer voltar. Nunca se quer sair, nunca.

Já não me sinto, porque nem me quero sentir. Neste estado, latente, onde sinto e oiço as minhas veias. Pujantes. Potentes. Explosões de luz, dentro e fora de mim. Os cristais surtem efeito. A trip é boa. Para mim não existem outros, ninguém.



O tempo passa. Um vazio de pensamentos e palavras, há muito que se instalou na minha cabeça. Ao menos essa ainda está no mesmo lugar. Não consigo falar, nem construir uma frase que seja. É violento… muito violento. Tenho lapsos de memória. Os cantos da boca ressequidos. Os lábios mordidos.

O sol nasce, e tudo deixa de ser brilhante e fluorescente. A luz perde magia. Perco fôlego e vontade de continuar…

- Não, fica mais um pouco. Toma, experimenta este…



Happy… happy… happy… e volto a mergulhar na mesma doença. Agora a preto e branco. Sob o sol. O calor e cansaço. A cabeça que chega ao topo do mundo. Acabo por terra. Deixo-me levar.

O mais curioso de tudo. A estranha sensação de que se foi assaltado. Alguém nos levou o cérebro, enquanto andávamos por fora. Fica-se assim por tempo indeterminado. Nem as memórias valem, de tão vagas que são.



No momento… naquele momento, não se quer, não se deseja mais nada. Nem voltar… nem voltar.
Eu sei o que é lá estar... na Macro Desintegração, em Micro Administração

quarta-feira, 23 de agosto de 2006

Não quero que tenha título

É tudo tão rápido
a noite, o dia...
São franquias que se pagam
pegam, colhem-se
Encolhe-se da mesma forma
de um desígnio
Destino?

Conheci-te entre trastos
virtuosidades, notas & afins
Agarramos as ruas, como a areia de nós
esgueiramo-nos
por fim... até chegar

Bebemos, dividimos sabores
notas soltas, os teus cabelos
Na pele lisa
na fina flor de ti

Marinei no teu vinho
serves-me na melhor das paixões
a nossa
Serve-me no teu corpo que é copo
em serviço de cristal
Saberá alguém beber melhor que nós?

De tanto canto e encanto
muito mais vinho beberemos
Assim, como a tua chuva de Outono
sabe a terra, o teu amargar

Traças rotas na minha pele morena
caminhos das tuas mãos
Sentes...
No encantamento de mil poeiras
é ouro que reluz, tu

Saciar em diamante
lapidado em cada beijo
de nós...
percorro o teu filão, em olho de garimpo

Na tua tez, branca
Envolves-me na tua seda
mais forte, mais fundo
mais...
mais...

quinta-feira, 17 de agosto de 2006

Qualquer coisa, como fugir

Vamos fugir juntos
Conspirar contra um poder qualquer
Absolutista, assim como tu, paixão
Vamos furar papel de arroz, com dardos de felicidade
Vamos contra armadas do Oriente
Vicio-me, como tu em mim amor, meu ópio
Façamos qualquer coisa saudável
Vamos fugir, apenas porque é tão bom
No meio da multidão, olhemo-nos
Fixamente…
…e fugimos assim, de todos




Esqueçamo-nos do que havia sido agendado para hoje
Esta noite, dancemos como mais ninguém ousou
Ritmados
Pautados pelo nosso próprio bater
Asas, corações
Borremos a pintura toda
Sejamos histéricos numa rua deserta
Fujamos…
De qualquer realidade desprovida de ti ou de mim
…de amor

Vamos! Fujamos agora!
Vou descer de propósito à rua
Atirar pedrinhas à janela
Apenas para que apareças
…e tão abençoado seja esse teu sorrir




Vamos qualquer coisa, não sei bem o quê
Qualquer coisa mesmo
Assim, bonita como tu
Do género não definido
Imperceptível, inadiável
Infinito
Até sem estar muito composto, com umas manchas aos cantos
Desfraldado, com uns vincos aqui e ali
Despenteado
Façamos da incerteza um baloiço para o improviso
Urdamos paixão, na trama de cada um de nós
Entrelaçando dedos e franjas de sorrisos
Não há desperdício

Carrega no meu botão, torna-me num míssil
Intercontinental, intemporal
Emocionado, enriquecido
Teleguiado, sintonizado na tua onda
Sejamos um sonar, esperando pela onda que volta
És a minha antena
Sejamos qualquer coisa mesmo
Porque somos assim,
…um do outro
…um para o outro




E tudo o resto será qualquer coisa mesmo
Pouco importa como seja, o que seja
Unos, somos!
E tudo basta, que seja mesmo qualquer coisa
Desde que aqui estejamos, fugindo
Deitados na fina areia ou num leito de xisto
Qualquer coisa amor…
Fecho os olhos e sonho-te
E és linda, sabias?

quarta-feira, 16 de agosto de 2006

Encharque Nocturno

Como poderia eu sangrar
se me poluis no teu chover
São rosas senhor, são rosas
no teu picar está o meu ardor
não há milagre que valha
Merece-me, faz por tal



Já pouco te canto, mal te encontro
talvez as vistas sequem como os lagos
as lágrimas como rios

Trocam-se partituras
nem assim, desagrada-me o sentimento



Mais tarde...
torcem-se linhas, planos e formas
congela-se metade de nós
E no calor, o Sol que nos tolhe
neste desvelo que me fazias sentir

As horas mortas acordaram para a vida
e a fio de prumo alinhaste o coração
Funguei, colhi tosses
convulsões, enquanto te esperava



Muito mais tarde...
bem mais que uma viúva quando espera
pelo homem que não volta
Olha para o mar, não o traz de novo
Não espraio na tua areia
porque não me leva a maré

Sendo já tão tarde...
nem sei onde fica jusante
Não obstante,
sacrifiquei-me a todas as horas



Em pouco escarlate
a tinta de mim, já não escorre
Em doces palavras me envolveste
numa embalagem de papel pardo, para a viagem

És fino novelo, eu o burel
neste beijo de noite, não te quero mais sentir
Tingiste o meu pano, alinhavaste-me com um sorrir
Agora não te descoses, nem quando bato à porta
à tua, porque só sei a tua rua



Neste modo airado de caminhar
bamboleando pelas gotas frias de chuva
No meu único sentido, até ti
peço-te...
o que nunca pedi

segunda-feira, 14 de agosto de 2006

Uma memória

São sensivelmente 7 da manhã, mais uma noite de afortunada miséria. Digo afortunada porque dentro da miséria subsiste algo de intocável, o sorriso. Malicioso e lambido pelo álcool. É apenas mais uma crónica dengosa e quase banal. Uma entre as últimas noites de inegável soberba.

Munido de viciosos trunfos, peco pelos sabores dos inúmeros batons que provei. Estes vergões demoram a desaparecer. Éramos tantos, perdi a conta desde o início. Que marotos, ora bolas! Este rapazinho que tanto se alimenta, esta voraz fome que me continua a comer por dentro.

Amanhã era dia de me levantar cedo. Sei lá, fazer algo de normal, ir mudar a pilha do relógio, beber um café arejando ao ar livre. Empanturrei-me de corpos nus, reguei-me por dentro e por fora. Foi vinho, vodka e outras tantas coisas que nem me lembro. Foi suor, sangue, fluidos. Necessito de um banho, tenho a pele colada à alma.

A cabeça parece que estoira, o calor do Verão mostra as suas presas ao findar da madrugada. Reparo que no bolso trago o que resta de um colar. Atiro-o fora, não me interessa uma prova de qualquer tipo. Basta-me a miséria. Enchi demasiado a cabeça e o estômago. Sinto-me esgotado, o pouco que me corre nas veias nem sangue é. Apenas tesão e adrenalina… sinto-me tão cansado.

O sol já despontou no horizonte, a luz cega-me lentamente, viola-me a retina. Em passo custoso chego à minha rua. Passo-a lentamente como por cada corpo que se deitou ao meu lado. Acendo um cigarro amassado, tal como eu estou… e ambas as coisas me sabem tão bem…

É um último tiro, uma última linha. As narinas estoiraram, vomitaram no espelho este guloso capricho. Paguei o seu preço, por uma última vez entre todas as outras. Foram outras, mais outras e ainda aquelas ali. Meu Deus, fartei-me.

Deito-me vestido, desobedeço à rotina. Dancei entre todos, despido e virado do avesso. Deito-me numa manhã de Verão completamente vestido, como acusando uma vergonha. Não são mais que meras memórias, fica-me mais uma. Desejo agora mudar o rumo. Experimentalismo esgotado, uma nova fase então. Tornar-me-ei mais igual a mim próprio. Vou adormecer por fim, vestido, extasiado.

sexta-feira, 11 de agosto de 2006

Férias



Cheguei hoje..

Queimei a pele ao sol
Bebi, deitado no terraço
Já me tinha habituado ao barulho constante dos chinelos
Fumei, estendido na areia
Já nem sabia que dia da semana era, não importava nada!
Pensei num par de coisas, não muito mais que isso.
Pensei principalmente em mim.
Apeteceu-me, fez-me falta... faz sempre
Não lavei a cara, o mar esperava-me ansiosamente
...e eu a ele!
Foi chegar perto dele e sentir,
como sempre, aquele nó no estômago.
A ansiedade de mergulhar, ali mesmo
vestido...
doido...
perdido...
Amargar a boca de sal
Queimar ainda mais a pele
aiiiiiiiii e este cabelo que não se deixa domar,
assim como as ondas...

O mar, trouxe-o comigo.

terça-feira, 1 de agosto de 2006

Vocês, amigos

Vocês, amigos.
Apresentam-se eternos, para mim.
Caramba, como por vezes me fizeram irritar, com coisas que só vocês sabiam fazer.
Só vocês mesmo, amigos...
Vamos fumar um cigarro ali ao Sol?
Estarei lá, com vocês, amigos.