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sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Contido na Noite

Passei por nova madrugada a sós. Habitua-se a mente à solidão do pensamento, sem consolidar ideias seja com quem for. A sina da demente progressão das horas, o incómodo de apenas a respiração ecoar nesta massa.

Desconfiava tanto de mim que cheguei a minar o caminho da mente. Dei por mim esvaindo-me por entre os destroços, uma e outra vez. Seria necessário chegar ao ponto de considerar parte de mim como uma máquina a vapor, lenta e desmesurada. Conseguiria em cem anos, talvez percorrer uns três quilómetros de luz, e nem assim sentir-me a salvo das próprias mãos.

Nasci entre mãos divinas de Amor, e serei eu melhor homem por isso? Por qualquer zona do corpo que meça, nenhuma é superior à pele que me está colada. Conseguiria compreender melhor o destino, se as consequências dos atentados à mente não me fizessem pensar.

Gosto de mexer o café com o dedo, no sentido inverso aos ponteiros do relógio. Acaba tudo afinal, no mesmo momento do sinal horário, neste tempo que alguém se lembrou de tentar prender. Classifica-se assim, este momento como 3h45m, ou melhor, quatro menos quinze.

Acumulo sono, cansaço, sonhos de olhos abertos que sei nunca sonhar. Acumulo ideias, nomes e choros, lágrimas que oiço passar pela rua. Acumulo mais um pouco de nada, de mim a qualquer esquina mal iluminada. Impeço-me de fraquejar perante um pequeno mundo que vive dentro de uma pequena televisão. Na casa de uns idosos, de olhos gastos para o mundo, fintando os meus através do ecrã.

Vive-se no sabor efémero de um floco de neve, de papel celofane bem vermelho, de sangue. Cospe-se em negação maior por se sentir a brevidade das palavras em cada sílaba. São linhas entre férreos desejos, cruzando toda a paisagem a caminho de casa. Pequenos saberes partilhados em sorrisos entre estranhos. Serei comum a todos os sujeitos com predicado.

Estranha e falsa modéstia, a que me dá em poucos momentos. Sem que atropele demasiado a outra parte que dorme, a minha cabeça manda-me parar. Cada adormecer é uma morte anunciada, uma lanceta seccionando até à medula, a resistência da insónia. Redobrem os sinos, quando já exausto disser para mim mesmo - Não posso mais...

9 comentários:

Ás de Copas disse...

Desconfiar de nós mesmos e não nos darmos confiança é o alibi perfeito para perder as rédeas da razão. Por acaso nem gosto delas, das rédeas, e por acaso também gosto de desconfiar de mim!
Beijo

Anónimo disse...

Assim é o homem que encerra na alma
a centelha divina...

Aestranha disse...

Um texto circular... da solidão para a solidão do pensamento... Gosto de pensar que nessa solidão existem outros que cruzam os mesmos campos que eu... Ainda só mas na certeza da partilha!

Um beijo só...

eudesaltosaltos disse...

a tua escrita. é cm se fosse um livro, abre-se numa pagina qq e mexe cnsc... pelo menos é o q acontece cmg. bj

Bluesy disse...

3 km de luz em cem anos é uma boa média. Há por aí muita gente que vive a vida toda às escuras... ("pois é, pois é, há quem viva escondido a vida inteira, domingo sabe de cor o que vai dizer segunda-feira", bem canta o Palma!)

Jo disse...

insónia introspectiva?
:)*

Eme disse...

A alma encerra demasiadas paixões para que se impeça a traição das mãos. Traem constantemente, repetindo-se à saciedade. Quando não se pode mais, adormecem.

eudesaltosaltos disse...

Certificado como um dos melhores momentos virtuais, para mim, no meu cantinho. bj

eudesaltosaltos disse...

certifico-te como um dos melhores momentos virtuais, para mim. pq o és. para mim. bj