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sexta-feira, 30 de agosto de 2024

I.

 

Sobra-me tempo que a ti te falha. Todas as horas nas marés que não o foram. Distendidos os anos, deformando o que se quis criar no corpo. Sobra-me espaço naquele que te falta. Na luz, na sombra, em todas as linhas que nunca serão suficientes, o quanto baste, porque não existe uma forma suficiente e perfeita de te dizer, de todo, inexistente.


Sobra-me carne, nos ossos que te compõem. Não é um vazio num lugar comum ou um arrepio ao leve toque. Sobra-me no corpo, vetusto colosso entorpecido, a menor das partículas para te recriar desde o pó. Sobra-me o caos, no repouso que te habita. Permitir o corpo ao atropelo, à torrente da deriva, até que, exaurido, morre pela alma. Sobra-me na saliva o teu nome, que em ti já sequer existo.


Sobra-me tanto, e tanto de mim que ficou. Tu, por inteiro me faltas. Sobra-me nos olhos o rio, que nos teus já não finda. Saber-te eterna, mesmo na noção de nem eternos sermos. Sobra-me a perda, que em ti todo o tempo parou. Desassossego errático, involuntário, no corpo em falta, no espectro em sobra. No silêncio, queda um ténue ruído, persistente, na esperança que me ligues a dizer que, por fim, chegaste bem.