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quinta-feira, 29 de maio de 2008

|A| po|ss|ibilidade


Reduz-se ao papel o estalo de uma violência calada, usada, ousada em permitir que a fúria das palavras me levem para mais além.

Nada que me escorra se ecoa por mais agreste paisagem em que nada me compensa o grito vazio de ti. Sem nada que me apague da memória, na mesma que nem se lembra a história de a fazer mais alegre.

Serias tu, menina que chora, na sombra de um ombro que petrifica no olhar mais distante que os teus soluços. Sai-me assim, como o lenço de linho do bolso, aos poucos manchado pelas lágrimas que redobram ao compasso dos sinos.

Dizes-me, na tua lívida expressão procurando uma redenção.

- Vou-me embora, por agora que nada tenho para te dizer. Que a fome não te doa até que volte com as nuvens.

E respondo-te num gesto de recuo, enjeitado e escondendo a mão que te acena no adeus.

- Não vás...

- Porque o dizes assim?

- Porque sem que o tenha de dizer de outro modo, fazer-te mais, maior em beijo ardente, complacente do teu sorriso. Seria amar-te em cada respirar de vida oferecida, por cada dia que eu viva.

- Não posso. Não podes. Não podemos.

E partes como os outros que se foram esquecendo e ficando esquecidos. Deixando-me partido, aparte, quebrado no bramido mansinho de quem morre esvaído de algo que não se vê. Não posso, não podes, não queremos. Antes o luto que a luta.

Poderia um sentido ajudar-me nesta angústia. A letra tingida, segura na amargura da tinta, veneno desta soltura que me lembra os teus cabelos.

Ao ponto de fuga no retorno de um dia... um dia talvez quebre a jura de mim.

Um dia.

imagem: http://lampadamervelha.photoblog.com


segunda-feira, 19 de maio de 2008

|c|ru

Queria a veia carnuda e cheia de tanto me sentir nas tuas mãos, fazeres-me gemer ao ouvido da tua teia maliciosa. Treme, teme por quem nada mais tem a dizer nos silêncios entre palavras, despojos, lembranças que se revelam segredos. Saber-me-ás clamar em noites que não esteja aqui.

Que tens tu guardado nessa mão tão fechada, cerrada a pulso firme do tamanho da afirmação em que me tentas forçar o murro. Violenta passagem pelo filamento incandescente da suposta razão, sustenta-me em mais um sonho de fio negro tecido entre as nossas bocas.

Por dentro de nós, o que és para além de quem sou, a mais sobeja do desconhecido mundo obscuro. Beija-me, beija-me com toda a paixão que possas inventar. Beija-me agora que o mal não se me pega à pesada forma de pensar.

É tarde, mas nem por isso julgo que o tempo tenha passado em excesso, pela demasia em me julgar lesto e quebrado no feitiço. E porque razão penso tanto em ti, continuando a inventar-te nas frases, mesmo quando estás ali apenas a um compasso do coração. Ali estás, no mesmo tempo que é meu, e mesmo assim, tudo é tão diferente de olhos fechados.

Sinto-me sim, esgotado de tentar interpretar as próprias palavras do meu coração. Necessitaria de mais palavras para ditar um pacto que me desse a satisfação necessária a uma sensação, invariavelmente nunca conquistada, de me sentir saciado. Encanto-me pelo desconhecido, o irreconhecível que acorda todos os dias assim, bem entranhado em mim.

Queria a tua veia absoluta e cheia de tanto me olhar pelas tuas carícias, fazeres-me calar à boca da tua voz matinal. Diz-me, pinta-me nas mesmas cores em que os dias se fazem ao amanhecer, apenas nos sons que colam silêncios. Segreda-me o teu sorriso, lembra-me de te lembrar. Saberá a ausência clamar-nos de noite, sem estarmos, sem sermos, sem nada que nos toque.

Não respires, não ouses afastar, não me queimes à tua luz, não negues, não me digas nada mais que nada. Contraria, continua, assim como o barco balança na ondulante sensação de um gesto mudo, surdo para te ouvir de novo. Contrasta-me esta vontade de tanto querer-te que nada mais se me aparenta vivo.

Nem que me repita toda a noite, o tamanho ímpeto insiste na cumplicidade das veias ao aleatório ponto final. É curto. Tudo é tão pouco, o que possa dizer. Cru, sou eu.