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domingo, 31 de outubro de 2010

passo|e|quero

A cada passo, se desenlaço e me largo ao acaso por uma rua. Podia ser tua, a pele de uma memória que perdura, no sabor a ti, na língua que te sarou a nu. Sem a turba do dia, na mácula do tardio que em mim se fez ainda antes de ser manhã. A cada passo, no desembaraço dos pés pela calçada, as penúrias penduradas em estendais, cordas latas, varandas gastas, fios molhados, beatas abandonadas.

Não é a solidão que me persegue, senão os sonhos que percedem. Escondido, no gosto pelos outros, daqueles ali, assim em jeito de luz intermitente, redonda de tom laranja, na face de uma mulher feita aurora. Descompassada, como o coração quando arqueja um gesto polvilhado de silêncios. Guarda-se a noite, calam-se as bocas, mariposas em sombra chinesa, língua pintada na tua.

A graça de um nome que se teima em aquecer na modéstia de uma fogueira de meia dúzia de tanganhos. Emaranhado coração que bate à porta da alma, sem me precisar em gesto algum, causa-me dor saber que te perco em todas as horas. À soleira da tua boca, deixei-te no empedrado molhado o virar de costas. Não existem aparências, somente a ilusória passagem pelas correntes de ar. A saudade do desconhecido nome que isto tem, providenciado, esculpido à noite, abrasado de dia.

A cada passo, se nem caibo no tamanho que tenho, senão no acaso de tomar um rumo sem pensar. Podia repetir-me, de novo, e sem novo me ser, parecendo-me ainda mais estranho, novamente envolver-me nos pensamentos em torno dos teus. Sem mãos para acenos, nem costas para muitas lembranças, sobra-me a avareza de ter a noite só para mim.

Não é a solidão que me esvazia, senão os meus olhos vazios dos teus. À mostra, a soltura de um sorriso, um beijo como a cera que escorre de uma vela. Sabendo o velho feitiço de enganar o coração, num gole, a cada passo um traço, no impasse de quem me morde as mãos, como um desejo renascido ao respirar-te no melhor de ti.

A graça de um nome, algo que lhe dê alguma razão para existir. A razão de um ritual, sem nunca ser tarde para voltar a repetir-me na tua pele, pela tua voz, descaindo este gostar para a naturalidade do lugar incomum e estranho. Quão somos, mais que punhos cerrados e espartilhos de voltas cegas de nós, em nós. Fosse o teu rosto traço luz, sombra em pele nua, e a tua condição seria outra, ver-me nascer com o sol.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

sábado, 16 de outubro de 2010

terça-feira, 12 de outubro de 2010

piet|r|á

Seria mais fácil colocar-te uma pedra por cima, revolver a terra como um cão e aguardar pelas primeiras chuvas. Não. A virtude seria saber-se a espera mais satisfatória que a acção. Em que ficamos? No zero. A lisura do travo metálico que o tempo me deixa, o chumbo na saliva e saturnismo nas veias.

Seria mais fácil arremessar-te um titã de granito. Um gesto monolítico, qualquer coisa que me fizesse perdurar no relógio, para não mais me esquecer do peso. Pesas-me por isso, não pelo pesar. Torna-se invariável sem me parecer condicionante do gosto de sentir derrapar o metódico para o medíocre. Prevendo a estanquicidade de pensar, o loquaz sujeito atira foguetes para que afastes os olhos dos meus. Quero acertar-te em cheio.

Seria mais fácil aferir a balança, ás caixinhas de memórias chamá-las de canopos. Não. Pior que hélio, envenena-me a maldade, sobe-me a alma por este corpo, quando a minha vontade era ser trépano do teu juízo.

Seria mais fácil calar o frondescente testemunho de que os ossos contam histórias, não deixam legados. No fundo, e bem por cima da tua cabeça, era saber montar uma trama, sem enredo, atirar-te um seixo bem redondo e pesado. Assim, bem certeiro na tua raíz, uma bolegada bem assente. Não. Contrariam-me as vontades e embirro. De tão retorcido, falham-me as mãos. Fico com vontade de politizar o leito pedregoso e, sem parcimónia aparente, lapidar-te até que aprendesses a conjugar-me no Pretérito Impossível.

De novo; seria bem mais fácil dançar à chuva de bigornas e pisar todos os teus canteiros. O que dissemos? Arregalam-se os olhos, exclamativa e sincera, a dúvida toma-te o corpo só para me encolheres os ombros, uma careta e... e pronto. Seria bem mais fácil dizer que o pecado é algo virgem por esta casa, que o vício é um pai ausente, a saudade uma mãe desajeitada, e tu, minha cadela de loiça, um ainda bloco de cimento nos pés.

Seria mais fácil mentir-te, continuar a beijar as penas, os lamentos e, infelizes aqueles, que aprendem a chorar como tu. Calhau que fosse, ou um breve torrão ressequido do Verão, era atirar com toda a vontade que ainda te tenho. E então? Nada. Parece ser mais fácil o caminho de um doce nada, sem a seiva agreste na pele, nos dias, das marés, com minguantes e crescentes, sem paredes de papel e postais ilustrados de um tempo que fomos.

Bem que me sabia acertar-te em cheio, lançar-te à mão cheia, para que o teu coração aprendesse a falar.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

recalcitrante

Sempre o concebi como um espaço inflado de pensamentos.

Dou por mim repleto de um silêncio, de ruídos cheios de nada.

Dói.