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terça-feira, 25 de maio de 2010

até aqui

Esperei que o dia terminasse, sem que fosse um grande sufoco deixá-lo para trás das costas. Esperei demasiado tempo, concebendo-a nos mil enfeites, em redundantes palavras e apegos a trivialidades. As coisas passam, até as mais complexas, e assim, mesmo sem ter na sua posse todos os pós, magias e outros termos ilusórios, não se me coíbe o coração de senti-la purpurina, alegre e saltitante no meu coração.

Não se idealiza demasiado, porque a paixão já é feita de impulsos desmedidos. São olhos velhos e corações usados, pessoas já talhadas, com truques e tiques de reincidência. E então? Quando tudo vale e a boca transborda o que cresce cravado no peito, dando-se ao milagre de renascer entre a robustez da crença e a veleidade destas mãos. Eu sei, eu sei. É construir um cerco num maior aperto ao coração. Torná-lo tão marginal e avesso à razão, oferecendo-o a outras mãos, as de quem mais se quer.

Nos dias que correm, já nem me incomodo por me deslocar mais que dois milímetros face ao eixo da sua pessoa. Queria antes aprender outros caminhos que não os tortuosos a que me dou na pele de amante. Caso exista alguma compaixão nos braços da paixão, então que a luz rasgue em mim o que ainda insiste em me ser desconhecido nestes desígnios.

Saber-me dar a mais que ninharias de fracas importâncias. Catalogar os gestos e reconhecê-los como meus. Ter a noção que as palavras também sofrem erosão aos ouvidos. Saber soprá-las sem mover as dunas e precipitá-las no oásis. Não me pensar mais perfeito, e sem que a humildade me possua em exagero, habituar-me ao gosto de tanto me querer entre as suas pernas.

Ter em conta que as suas mãos sabem ser tão mais fortes que a minha teimosia. Contando com as suas raízes, para os dias em que o vento apenas me quer para martírio de algumas tempestades. Ser sincero, e que no fim de cada beijo, selar toda a paixão entre os meus ossos. Não olvidar-me de lhe pedir para que não me deixe fugir. Daqui, deste lugar tão pequeno e apertado, assim como fica um coraçãozito de pardal.

Resgatá-la, colhê-la no auge de cada sorriso. Roubar cada pedaço de mundo e fazê-la minha, nas mãos de pecador. Porque me dou a tudo e a nada, e aquele sorriso inventado em meia vergonha, traz-me um sol que lhe desce pelos ombros, até cegar na sua silhueta ondulante. Julgar-me assim, possesso, e mais que tudo, descer pela sua pele, desdenhando cada segundo que passe.

Oferece-me os lábios em refresco, que me transporta para a noite, em todo o manto que a luz não encobre. É uma paixão de flamejante cor parda, pequenos esgares de uma vontade que se consome em beleza. O preâmbulo do gesto, numa definição que não se quer, nem se encontra. Apenas um contra o outro.

Tendo em conta que os sudários da paixão não são mais que lençóis marcados de engelho e odor, sou memória em perfumes e cores que me tingem por dentro. Leve traço a cânfora, foi apenas isso que me deixou. Desde a pele, até aqui. Até aqui.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

heroína

Sente, uma breve memória resgatada ao acaso, em contramão pelos desígnios da mente, consegue embater com violência no teu rosto. São trezentos e sessenta e cinco dias, uns sobre outros, sem regresso, sem algo que os ligue. Dançando no arame, por um fio, malabarista de falso sorriso. Descrê-se que tudo passe e, quando nada mais se encontra, resiste-se à tentação de condensar o tempo em simples anos.

Revertendo um coração com dois pólos, a sós, quando a amargura nos sabe a frutose. Manancial de dúvidas e incertas manhãs. Cerra a boca este absurdo silêncio do grito, desvelo pelo que me consome e também de outros afins. Porque não se verga, como vereda à vontade do canavial. Porque não se dilui, como aguarela viva em água turva. Porque não se absorve, como faziam as tuas lágrimas em mim.

Sente, uma breve memória tua poderia resgatar-me sem ser ao acaso. Se todas as contrições e linhas a que nos oferecemos, fossem outras que não as nossas. São setecentos e trinta dias empilhados a muito. Aqui, ali, para além de todos os beijos tramados. Deixas-me este legado, segredar-te na estranha forma de não te reconhecer nos outros.

Esventrando a imagem da mulher que deixaste em mim, quando tu nem existes. Falava a boca, antes em beijos, depois em cortejos. Porque definho, como quem não sabe o nome para isto. Porque o lamento é uma ofensa. Porque tocar-te seria morrer em paz com o mundo.

Sente, se um dia nunca te tivesse inventado, hoje não seria eu a escrever-te. Só assim sei distender-me até ao fim do teu horizonte, sem perder a noção de mais que três mil seiscentos e cinquenta formas de te criar sob a minha pele. Tu sobre mim, justapostos, de atravessado, desalinhados nos enfeites de coisas nossas.

Desvanecendo qualquer manhã, condenando-a ao fracasso. Apenas porque unos, tanto mais seríamos, meu amor.

sábado, 1 de maio de 2010

tão só |e| apenas

- Não consigo entender o que possa ter visto em ti. Explicar-te melhor o que vai aqui dentro, só mesmo abrindo a tua miserável cabeça. É pensar como um último desejo pode secar num ápice, sem que demonstres alguma vontade de contrariar. Da tua parte, dessa tua forma de copo vazio, de quem foi tragado e deixado por lavar, habituei-me a desculpar essa triste mania de escorregares em atitudes incertas. Erradas para mim, porque só eu aturei esses vazios. Farta dos teus nadas, do enfado nas tuas respostas. Sem que um aparte fosse maquinado pelos deuses, ou quiçá, de qualquer outra maneira tacanha de me fazeres sentir feliz com um simples e enjeitado sorriso esboçado a muito custo. Perder-me em delongas, dissertando o meu tanto querer pelas vagas em que te sentia realmente ao meu lado. Egoísta. Intratável. Insolente. Tu, como o inabalável censor dos meus sonhos. Assim ficas, orgulhosamente sorumbático, de perna cruzada e olhando para mim. Reage homem! Prefiro que embirres comigo e digas que não passa de mais um pequeno capricho implicante de menina mimada. Não encolhas os ombros! Não quero isso como como reacção ao que te digo. A tua passividade é a minha maior frustração. Sei que te mexes por dentro, porque até daqui consigo medir-te a densidade da alma. Não te escondas, mortificando a minha tentativa de que, ao menos agora, me digas qualquer coisa decente. Larga a porcaria do teu mundinho paralelo a outros tantos que dizes ter. Nenhum serve! És um traste, sabias? Triste mania de te armares em autista quando quero que me respondas. Tenho é vontade de te esganar. Merecias era uma chapada nessa cara de parvo e...
- Afasta-te só um pouco para o lado, por favor. Tapas-me o sol.