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segunda-feira, 18 de junho de 2007

Avenida de|vida

A avenida termina no abismo de um semáforo. Quando cai a noite, sozinho na extensa recta, o pavimento ainda quente, colando os meus pés ao chão.

Sem que tire às palavras razões certas para que me condenem, encolho os sentidos para dentro de um recipiente estanque. Não fui mais homem ontem que hoje, apenas não sou mais aquele vertiginoso velocista, habituado à vida no arame. Parei. Depressa acolhi o que estava sujeito a morrer, ali no abandono, ao sabor dos dias.

Segui em frente sem olhar para o sinal. O que me deste, iluminado e com aviso sonoro. Foram as tuas acções vãs. Foram as tuas palavras suspensas de inutilidade.

Insurrecto, como quem antevê o seu declínio, reinventei-me num amotinado e sentimental serão a sós. Não há sinais de luta, apenas sangue. Sangue do meu sangue, o próprio que me pertence e a nada se lhe dá. A voz criminosa eclipsada pela bebida, calou-se a arma do crime. Investiga-se ao detalhe, o meticuloso problema do coração. Como bate, como morre.

As ruas despiram-se para mim, para me verem passar. Nas mãos onde dançam carícias que ficaram por usar, créditos sem uso, parados. Lamentos enfim, na mesma recta interminável para o meu curto fôlego.

Nos bolsos já vazios de memórias, qualquer suspeita seria escusada. Não tenho como pagar a minha dívida ao mundo. Amortiza-se na constante luta, na saga tecida sem pintura heróica e épica. Nada de cores, nada de efusivos abraços. Trata-se de uma espécie de eufemismo, de linha traçada entre um ponto e outro, sem paragem obrigatória para anotações de lembranças.

Caminho em direcção ao sinal vermelho, sem ter decorado o impasse que se faz à espera de avançar. Orienta-se todo um Império para um ponto cardeal, para onde se deve venerar o nascer de luas confidentes.

A sombra que me circunda conforme passo pelos candeeiros luminescentes. Não me larga a negrura língua desta amante que corre por mim. Cria-se a noite para distender toda a pessoa contida na palavra. Encarcerando o meu nome entre os ossos, é esta marca que não fica para além da existência.

Retenho-me no cruzamento, sentindo os pés colados ao chão. Esperarei pela hora de ponta, pela condensação do amanhecer. Preenchendo os bolsos vazios com as mãos dançantes de carícias por explorar, não será a fome sentimental da sequiosa vontade da noite a principal causa desta insónia.

Agrada-me a nudez da vida, da parte que me sabe fazer sofrer...

9 comentários:

Estranha pessoa esta disse...

Agrada-me sentir estas palavras..
Contudo pesa o sangue na calçada..
o sinal vermelha..
o seguir e não ficar.
O ficar e querer seguir.
E é o cruzamento.
Entrocamento.
Avenida.
Ruela sem fôlego.
É.
Pesa-me.
Espero e desespero.
Não sou racional.
Também não sou sentimental.
Sou agora encarcerada!
E isso pesa-me.
A sombra.
E o sinal.
e depois o intermintente.
E adormeço.
E no verde.
Insónia.
Estou nua.
Sofro!

Bluesy disse...

A memória também tem avenidas. Ainda bem que as podemos percorrer sem semáforos e sem noites.
Gostei muito do blog e dos textos. Vou voltar para te ler!
beijinho

Jo disse...

"Agrada-me a nudez da vida, da parte que me sabe fazer sofrer..."
...faz-nos sentir vivos...
beijos

A. disse...

__________________________M._____









porque sim. tantas razões...e mais algumas___________________...

obrigada.muito.

A. disse...

...a parte que nos sabe
fazer chover__________________
_________________________
_____________________
_________________
______________
___________à toa.

Aestranha disse...

Também a mim me agrada... Por vezes zango-me quando sinto que me tentam impedir a lágrima de cair... Por vezes zango-me comigo mesma, por ser eu a fazê-lo e por sentir tanta dificuldade em manter os pés colados ao chão...

É de uma pessoa se perder... nestes teus labirintos deliciosamente adornados de palavras...

Beijos, muitos...

A. disse...

tic tac... tac tic... e já nem
me apanha mais, o tempo.
derreto-me porque ainda existes
por ali:::::::::obrigada.








um Tic tac cheio de vida tua. e há tanta por aqui, ___M._____________:

Anónimo disse...

BRILHANTE...

Anónimo disse...

Os caminhos dentro do teu caminho..