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quarta-feira, 9 de maio de 2007

Gestos comuns de um homem, incomuns de quem o vê

Faço votos no silêncio, traços mansos de comportamento
Mancos estão os sentidos, por estes gravetos que vislumbro
A luz mal enjeitada, as tuas roupas engelhadas
Não quero morrer de pé, em consciência ou lucidez que me pegue
Embriago-me no teu corpo, sem seres rosto ou nome que me valha

Nesses bordéis, sondados em preciosas horas
Esperas de balcão sustentadas a algumas bebidas
Estratégicos, olhos que miram propostas de embarque
Viagens de ida, sem volta imaculada, entre cigarros mal fumados
E seios, desnudos, embebidos no enjoo perfumado

Rameira personificada, uma santa de carne
Esquecido de outros desvairos menores
Da colcha quente, às tuas humedecidas coxas, não se comenta o desmazelo
Descaindo na latente formosura, mais bela és calada
No corpo pago que tens, a soldo pela nudez da crueza

Cadencia o meu acto, decadentes palavras que não mais te digo
Noutra altura que seja, jamais adormecendo entre parasitas
Social, sou eu, sem cavalheirismo no trato
Mal os brutos gestos sossegam, a languidez em ti contida
Falsas modéstias, trancadas, para lá daquela porta

No fim do corpo que te pertence, no estreito que já cruzei
Pago-te a dinheiros, justos ganhos, cordiais cumprimentos
A menina sai, antes do incandescente golpe numa droga legal
Olho aquelas pernas, sufocam qualquer decência
Menos mal, o meu aço funde, o nervo impele a desejar-te mais

Escrevo palavras na colcha verde manchada, palavras comuns a ti
Dos laivos acusadores, ao teu sabor nos meus dedos
Androginia sentimental, quero-me na rua escura
Por onde caminham vergonhas, cabisbaixos homens
Transeuntes que se acompanham, maraus tertluliantes

A vaidade acende o meu isqueiro prata, nas cigarrilhas importadas
Do outro Atlântico que não este, o descoberto e agora negreiro
Acompanham-me vícios, lacunas e avarias
Nem completo sou em toda a minha falta
A lívida surdez que me apanha, até à cegueira de não sair deste antro

5 comentários:

Anónimo disse...

Gestos comuns...dissolvidos numa realidade decadente...

Magia disse...

Vicios em ciclo...
Bola de olhos que se fecham na avalanche de uma vida que se faz 'sobre'vida, 'sob'vidas, envolta em mortes ressuscitadas de vergonha...

Marvelhágico... senti aperto ao ler-te...

eudesaltosaltos disse...

Fantastico. lidas as palavras, relido o título, só me sai a expressao"ahhhhh!!!"... bj

Anónimo disse...

Há quanto tempo me não visitavas
mas quase, quase que te previa
morte lenta
sonolenta
de gélidos dedos
escorrendo-me na testa fria.
Impávida me tens
pois já me conheces
possuiste-me em tempos
e em mim te vieste
em orgasmos violentos
fecundaste-me em pesadelos,
abortei
não queria tê-los
mas engulo-os um a um
boca abaixo escancarada
pois nasci já condenada
a morder o pó
e a refazer o nó
onde me enforco
depois de violentada.

Aestranha disse...

Adorei este texto! Não tenho que lhe louvar ou desacreditar o conteúdo. Falas de realidade pura e dura e é preciso ter coragem para a expor deste modo. Muito bem escrito... Caramba, cada vez escreves melhor!

Beijo